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cercar de lenda. O grande rei para os Franceses, é e será sempre Francisco I, enorme, robusto, ligeiro, rindo alto, batendo-se valentemente, amando mais valentemente ainda, radiante, gozando largamente a vida, poeta em certos momentos, artista por ostentação, e falador eterno... O nosso genuíno herói, e isto resume tudo, é o poético e pensativo D. Sebastião.

Ora se nenhuma congeneridade de ideia, de sentimento, de natureza, de temperamento, nos cola irremediavelmente à França, ser-nos-á fácil, sem dúvida, separar-nos dela, sem que se dilacerassem as raízes mesmas da nossa sociedade. Nós estamos apenas colados à superfície, somos um parasita. E se nos desprendêssemos desse grande corpo, em que sugamos para viver, poderíamos, sem emagrecer e sem deterioração do nosso organismo, ir procurar noutro corpo social a vida do nosso espírito. Como parasitas prudentes, e o Português é prudente, podemos talvez perguntar a nós mesmos, se nos convém continuar a sugar a pele francesa, e se ela realmente oferece todos os elementos de uma suficiente alimentação para que, como uma pulga obstinada que pica o seio ressequido da carcaça de uma velha, onde não há seiva e sangue, não estejamos nós mordendo, chupando, onde não há sangue e seiva que nos alimente.