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Página:Ultimas Paginas (Eça de Queirós, 1912).djvu/57

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na arca, o alfaiate dos pajens do castelo talhara-lhe um capuz de romeira, e um gibão direito como um saco que, franzido na cinta por uma tira de couro, caía em pregas longas e grossas sobre as botas escarlates, com relevos cosidos de cordovão amarelo. E, assim enroupado e limpo como um filho de mercador, o levava o pai todos os domingos, sorrindo de orgulho, pelos caminhos, à missa na aldeia.

Cristóvão penetrava na velha igreja, de muros severos como os de uma cidadela, com um enleio, um medo vago. Ele sabia que aquela alta casa de pedra, com lâmpadas que rebrilhavam, era de Deus Nosso Senhor, que tinha uma assim em cada aldeia, onde, nos dias quietos e silenciosos em que não se trabalhava, o povo, vestido de panos novos, o vinha visitar e louvar. E desde o domingo de Maio, em que ele descera da cabana, através dos campos verdes, entre as sebes de madressilvas, para ouvir a sua primeira missa, sempre aquela casa de Deus Nosso Senhor deixara, na sua alma simples, o terror de um lugar muito rico, muito triste, e todo cheio de mistério. Uma grande sombra fria caía das abóbadas escuras. Todas as imagens, sobre os altares, lívidas, emaciadas, pareciam sofrer: - o moço nu que torcia o corpo amarrado a uma árvore, e trespassado de flechas; a rainha, tão triste, sob a sua coroa de ouro, e no seu manto de cetim, com o coração