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O pecado não era fazer mal, mas nascer, e a água, escorrendo de uma concha, lavava-o como um linho sujo. Cristóvão arregalava os olhos desmedidamente – e as prédicas do padre-mestre eram como névoas que flutuavam intangíveis, logo, esvaídas apenas formadas. Sentia como uma tristeza diante daquelas coisas inacessíveis: e o suspiro que lhe fugia do peito fazia voltar os noviços, que, às escondidas do padre, lhe faziam visagens como de demônios.

Um só parecia simpatizar com Cristóvão. Era um moço franzino, que tinha a sua banca junto da janela, sobre a qual caíam os caracóis dos seus cabelos louros. As suas mãos pálidas folheavam de leve um in-fólio: - e havia em todo ele como a gravidade de um letrado e a doçura de uma virgem.

Todos os dias Cristóvão o via chegar da aldeia com o seu tinteiro metido no cinto, o rolo de papel sob o braço: e todas as tardes o seguia com os olhos quando ele, finda a aula, regressava à aldeia, folheando ainda pelo caminho algum livro onde havia cores brilhantes. Por vezes via-o parar, colher as flores silvestres do caminho. Ou alegremente, deitando os seus longos cabelos para trás, cantava sob a doçura da tarde.

Sempre que passava junto de Cristóvão, dizia-lhe: “Deus te salve!” E Cristóvão sentia como uma carícia na alma. Muitas vezes pensava nele –