Como não recordar esses versos, na visita que hoje fazemos á casa do escriptor philosopho, um anno depois da extincção da sua vida?
Aqui viveu Machado de Assis vinte e quatro annos de trabalho sem trégua e de pensamento incessante. Neste quieto recanto da cidade, longe de “agitações e lutas”, fugindo á curiosidade publica, ao louvor da multidão, á popularidade facil, e á seducção brilhante mas esteril da política, — dividiu elle o melhor da sua existência, vinte e quatro annos da sua maturidade fecunda, entre o gozo recatado da sua felicidade domestica e o gozo igualmente discreto da sua arte. Aqui sonhou, aqui pensou, aqui edificou a sua gloria. Noite alta, entre estas folhagens amigas, que resguardavam zelosamente o ninho do seu affecto e a officina do seu pensamento, brilhava o clarão da lampada que alumiava a sua operosa vigilia. Conlieciam-no bem estas arvores, estas flores, e as aves que o saudavam ao romper da manhã; todas as coisas inanimadas e todos os seres innocentes deste poético retiro conheciam e amavam aquelle austero poeta e aquelle meigo benedictino, voluntariamente clausurado na tarefa paciente e no sonho creador. Aqui experimentou elle, com a satisfação de ser amado e com as agruras dos padecimentos physicos, o prazer de tratar o idioma que prezava tanto, as torturas da analyse interior, os sobresaltos e angustias da creação litteraria, a febre a um tempo deliciosa e cruel da composição, e a ancia dos que correm atraz da perfeição esquiva. . . Daqui sahiram muitos dos seus melhores livros, vasta cadeia de primores, coroada por essa flôr de saudade e amargura, por esse amavel “Memorial de Ayres”,