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Vê-se bem que isto não é sincero. Para dizer que somente adorava, nessa formosa criatura, a sua alma, o poeta escreveu muitas estrophes para celebrar os seus olhos, os seus labios, o seu rosto, o seu collo... Feiticista escondido, com a ponta de orelha de fora!

Para que nesta conferencia o thema fosse bem estudado, seria preciso que eu aqui vos mostrasse como, os poetas brasileiros, este canta exclusivamente, ou quasi exclusivamente, os olhos, aquelle os pés, aquelloutro os cabellos... Porque o que caracteriza rigorosamente o feiticismo poetico não é a tendencia para cantar indifferentemente todos os encantos femininos, mas para cantar um certo e determinado encanto. Por exemplo, o nosso maior romancista, Machado de Assis, tinha a religião dos braços femininos: era o que o seu olhar via immediatamente, logo á primeira vista, em qualquer mulher formosa, e era, dos encantos dessa mulher, o encanto que a sua penna descrevia com demorado e enternecido carinho. Assim, deveriamos organizar aqui a estatistica do nosso feiticismo lyrico. Mas essa estatistica seria enfadonha. O mais agradavel e o mais simples é desenrolarmos aqui o mais bello mappa que se pode conceber, o mappa da belleza feminina, e irmos assignalando alguns pontos com a recitação de versos, criados pela fantasia feiticista dos nossos poetas. E respeitaremos o recato da sagrada magestade da belleza feminina: porque a belleza immortal tem segredos e privilegios intangiveis; devemos todos ouvir e seguir o conselho que nos deu Raymundo Corrêa, nos seus Versos a um artista: