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o poeta está contrariando o seu temperamento. Ouvi para exemplo estes versos[1] de Fagundes Varella:

O que eu adoro em ti não são teus olhos,
Teus lindos olhos cheios de mysterio,
Por cujo brilho os homens deixariam
Da terra inteira o mais soberbo imperio;

O que eu adoro em ti não são teus labios
Onde perpetua juventude mora,
E encerram mais perfumes do que os valles
Por entre as pompas festivaes da aurora;

O que eu adoro em ti não é teu rosto,
Perante o qual o marmor descorara,
E ao contemplar a esplendida harmonia
Phidias, o mestre, o seu cinzel quebrara;

O que eu adoro em ti não é teu collo,
Mais bello que o da esposa israelita,
Torre de graças, encantado asylo,
Onde o igneo genio das paixões habita;

O que eu adoro em ti não são teus seios,
Alvas pombinhas que dormindo gemem,
E do indiscreto vôo de uma abelha
Cheias de medo em seu abrigo tremem;

O que eu adoro em ti — ouve! — é tua alma,
Pura como o sorrir de uma criança,
Alheia ao mundo, alheia aos preconceitos,
Rica de crenças, rica de esperanças...


  1. Publicada como Estâncias, no livro Cantos do Ermo e da Cidade. [Nota editorial da Wikisource]