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feiticistas que teem juizo, — se é que qualquer homem, quando captivado pelos feitiços de uma mulher bonita e amada, pode conservar intacto o seu juizo.

Sendo nós uma raça de amorosos, a nossa poesia tem sido sempre uma poesia de amores. Namoradores e lyricos, os nossos poetas são naturalmente feiticistas. Celebrando em versos ardentes os encantos femininos, elles teem predilecções e preferencias. Uns são os cantores dos olhos, outros das mãos, outros dos pés. Estou em affirmar que não ha poesia nenhuma, como a brasileira, tão dada á glorificação dos encantos femininos. Os nossos poetas, neste particular, parecem descender em linha directa de Salomão, o sabio e real cantor do “Cântico dos Cânticos”.

Neste admiravel poema lyrico, cuja inserção nos livros sagrados tem sido tão contradictoriamente explicada, os encantos da Sulamita são cantados com um feiticismo exaltado, e com uma opulencia phenomenal de imagens, algumas das quaes de uma extravagancia entontecedora. Salomão diz que os dentes da Sulamita são como um rebanho de ovelhas, todas brancas e parelhas; que a sua boca é um oriente em fogo; que o seu pescoço é a torre de David; que as suas faces são as duas metades de uma romã; que os seus olhos são os dois lagos do Hesebão; que a sua testa é a serra do Carmelo... Salomão, se não fosse poeta judeu, seria poeta brasileiro.

Raras vezes vereis um poeta nosso cantar a alma, a bondade, a ternura, a innocencia de uma mulher. Quando se encontra isso, não é difficil verificar que