Página:Ursula (1859).djvu/174

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— Não ouvistes o seu aviso? Ah! Tancredo, querem assassinar-vos! – E cobriu-o com seus níveos braços.

E um tropel como de lobos, que devorados pela fome uivam medonhamente, aproximou-se do coche; e o grito do postilhão denunciou-lhes que estavam cercados por essas feras humanas mil vezes mais temíveis que os chacais e as hienas.

Tancredo reconheceu o perigo iminente que o cercava e, abrindo a portinhola, fez fogo com as suas pistolas. A primeira errou a pontaria, a segunda feriu de leve a um homem vestido de luto. Nesse homem Tancredo reconheceu o comendador.

— Úrsula tinha razão! – disse ele consigo – Eu é que me perco sem a poder salvar!...

E Fernando P. furioso e com ímpeto subiu ao coche, e apareceu a suas vítimas sinistro e ameaçador, como o anjo deve-o ser no dia do supremo julgamento.

Feroz e hórrido sorriso arregaçava-lhe os lábios, que resfolegavam o ódio e o crime. Assim deviam sorrir-se Nero, Heliogábalo e Sila nas suas saturnais de sangue.

— Poupai-o, senhor. Ah! Pelo céu, poupai-o! – exclamou Úrsula aflita e pálida caindo aos pés desse homem desapiedado.

E por um esforço sublime, que só a mulher – ente feito para a dedicação e o amor – pode conceber, disse-lhe, apresentando-lhe o peito:

— Ofendi-vos, senhor, vingai-vos: eis-me, não me poupeis: mas ele? Oh! não o assassineis! Oh! Não tem culpa de que o ame mais que a vida...

E caiu prostrada aos pés de Fernando, que semelhante à hiena, que meneia a cauda e lambe os beiços, porque a presa lhe não escapará, olhava-a sorrindo de ferocidade.