sombra era um espectro pavoroso e ameaçador, que lhe erguia os braços descarnados, e acenava-lhe para as feridas gotejantes: e ele fechava os olhos e via-o ainda, e sempre, e por toda a parte.
Então corria espavorido e louco, como se pretendesse fugir a si mesmo para escapar a tão pungente martírio, mas embalde porque a sombra de sua vítima o seguia impassível.
Após a noite da horrível catástrofe, tinham-se sucedido já duas, e a tranquilidade não voltara ao espírito do comendador. Em todo esse tempo não pudera conciliar o sono um só momento; porque o sono foge àquele que perdeu a paz de espírito.
E para serenar a tempestade da sua alma, lembrou-se de Úrsula, por quem empreendera esses novos e horrendos crimes, e tentou vê-la. De há muito que já se esforçava por ir ver aquele anjo de candura e beleza, mas o ânimo lhe faltava com a lembrança de que ela lhe lançaria em rosto os seus crimes. Por último, vencendo sua pusilanimidade, correu desvairado ao seu quarto.
Úrsula tinha os olhos cerrados; dormia o sono agitado do febricitante. As horas, que se escoavam já tão longas, os desvelos de que a cercavam, nem a dor, que lhe despedaçava a alma, tinham-na arrancado a esse doloroso torpor.
Então Fernando P. ajoelhou ante esse anjo, olhou-a extasiado, sem atrever-se a tocá-la, ou a chamar pelo seu nome. Temeu despertá-la.
Nessa atitude passou ele muitas horas sem que Úrsula voltasse a si. Um assomo de cólera concentrada enuviou a fronte pálida desse homem feroz, e prorrompeu blasfemando: