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Página:Verne - Le Tour du monde en quatre-vingts jours.djvu/7

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É que ele viajara? Era provável, porque ninguém possuía mapa do mundo melhor que o seu. Não havia lugar longínquo de que ele não parecesse ter conhecimento especial. Às vezes, mas em poucas palavras, breves e claras, emendava as mil observações que circulavam no Club quanto aos viajantes perdidos e extraviados; apontava as probabilidades verdadeiras, e a suas palavras encontravam-se como inspiradas por uma segunda visão, tanto o evento concluía sempre por justificá-las. Era um homem que devera viajar em toda parte, — em espírito, pelo menos.

O que era certo, no entanto, é que, desde anos largos, Phileas Fogg nunca abandonara Londres. Eles que tinham o honor de conhecê-lo um pouco mais que os demais atestavam que, — se não é neste caminho direito em que percorria cada dia para chegar da sua casa ao Club, — ninguém podia alegar havê-lo visto em outro lugar. Seu passatempo único era de ler os jornais e de jogar o whist. Neste jogo silente, bem apropriado para sua natureza, ganhava frequentemente, mas esses ganhos nunca entravam na sua bolsa e figuravam por uma suma importante no seu orçamento de caridade. Além disso, há de indicar, Mister Fogg jogava, naturalmente, para jogar, não para ganhar. O jogo era para ele um combate, uma luta contra uma dificuldade, mas uma luta sem movimento, sem deslocamento, sem cansaço, e tudo isso ia bem com seu caráter.

Ninguém conhecia a Phileas Fogg ter esposa nem filhos, — coisa que pode acontecer às gentes mais honestas, — nem parentes nem amigos, — cosa mais escassa em realidade. Phileas Fogg morava sozinho na sua casa em Saville Row, onde ninguém entrara. Do seu interior, nunca havia questão. Um só doméstico bastava para servi-lo. Almoçando e jantando no Club, — em horas cronometricamente determinadas, na mesma sala, à mesma mesa, sem receber seus colegas, nem convidar nenhum estranho, — voltava para casa apenas para deitar-se, ao minuto exato, sem dormir nos quartos confortáveis que o Reform Club provê para os membros do círculo. Em vinte e quatro horas, passava dez delas em casa, seja dormindo, seja aprontando-se à penteadeira. Se passeava, era consistentemente, de um passo igual, na antessala assoalhado de marchetaria, ou sobre a galeria circular, acima da qual arredonda-se um domo com vitrais azuis, que suporta vinte colunas jônicas em pórfiro vermelho. Se almoçava ou jantava, estavam reservados as cozinhas, a despensa, o armazém, a peixaria, a leiteria do Club, que forneciam à mesa essas delícias reservadas; eram os domésticos do Club, personagens graves, vestidos com trajes escuros, calçados de sapatos com solas de tosão, que lhe serviam com porcelana especial e sobre um pano de linho de Saxônia; eram os