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Não sei de quem foi o alvitre, mas foi de maganão de bom gôsto; e bom gôsto teve tambem o govêrno em o acceitar e approveitar. Para o dia em que o Sancto-milagre devia sahir de Lisboa Tejo acima, e que se esperava fosse com grande solemnidade e pompa ecclesiastica, — fez-se annunciar por cartazes que um fulano de tal passaria o rio, de Lisboa a Almada, em umas botas de cortiça nas quaes se teria direito e inchuto, navegando a pé sem mais embarcação, vela nem remo.

A logração era gorda e grande; melhor e mais depressa foi ingullida. No dia apprazado despovoou-se a capital, e uns em barcos outros por navios, outros por essas praias abaixo, tudo se encheu de gente de todas as classes, e todos passaram o melhor do dia á espera do homem das botas.

No emtanto, muito surrateiramente imbarcava o Sancto-milagre no seu barco de agua-arriba, e navegava com vento e maré para as ditosas ribeiras de Santarem.

Ninguem o viu sahir, nem soube novas d’elle em Lisboa senão quando constou da sua chegada