maldizem-me... Eunucos, castrados! Apanharam umas opiniões, uns retalhos de pensamento dos meus lábios e, com eles próprios, querem me ofender e irritam-me. A burrice humana é insondável! Tenho desgosto de mim, da minha covardia... Tenho desgosto de não ter procurado a luz, as alturas, de me ter deixado ficar covardemente entre tais patos, entre tais perus, burros e maus, agaloados ou não, ignorantes e sórdidos, incapazes de simpatia, de gratidão e de respeito pelo valor dos outros... Como me fui meter com esses idólatras de títulos e posições, patentes e salamaleques, abaixados diante da força e do dinheiro? Não sei. Os mais próximos, eu os quis melhorar; eu lhes levei autores, novidades, jeitos de pensar... E eles? Oh! que bestas! que bestas! O que mais me aborrece é ter chegado a esta idade vazio de tudo, vazio de glória, de amizade, só, e quase isolado dos meus e dos que me podiam entender. Estou abandonado, como um velho tronco desenraizado num areal... Vivi muito e espero ainda viver alguma coisa... Vi ladrões, vi assassinos, vi gatunos, vi prostitutas — tudo isso é gente boa, muito boa, à vista dos perus graduados no meio dos quais vivi... Fugi das posições, do amor, do casamento, para viver mais independente...
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