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Página:Vidas seccas.pdf/100

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Graciliano Ramos

fim da terra de alluvião, alcançava as catingueiras, que deviam estar submersas. Certamente só appareciam as folhas, a espuma subia, lambendo ribanceiras que se desmoronavam.

Dentro em pouco o despotismo d’agua ia acabar, mas Fabiano não pensava no futuro. Por emquanto a inundação crescia, matava bichos, occupava grotas e varzeas. Tudo muito bem. E Fabiano esfregava as mãos. Não havia o perigo da secca immediata, que aterrorizara a familia durante mezes. A catinga amarellecera, avermelhara-se, o gado principiara a emmagrecer e horriveis visões de pesadelo tinham agitado o somno das pessoas. De repente um traço ligeiro rasgara o ceo para os lados da cabeceira do rio, outros surgiram mais claros, o trovão roncara perto, na escuridão da meia-noite rolaram nuvens cor de sangue. A ventania arrancara sucupiras e imburanas, houvera relampagos em demasia — e sinha Victoria se escondera na camarinha com os filhos, tapando as orelhas, enrolando-se nas cobertas. Mas aquella brutalidade findara de chofre, a chuva cahira, a cabeça da cheia apparecera arrastando troncos e animaes mortos. A agua tinha subido,