Paginas Timidas/Capítulo 16
La vae o bello Jesus, o que levanta as turbas da Galliléa opprimida, e a cuja palavra vibrante e mellilua acodem, pressurosos e convencidos, os pastores de Nazareth, as mulheres da Bethania e os grão-rabbinos da Judéa.
Eil-o que passa, moço e garboso, cavalgando o jumento branco, e precedido de grande cortejo que o escuta assombrado: é a sua entrada triumphal pelas ruas largas da decantada Jerusalem, que o recebe festivalmente, entre flores e hosannas.
Começa agora a tradicional commemoração da vida do Salvador, feita de anno para anno pelas pomposas e tozantes ceremonias da egreja catholica.
Acclamado pela multidão fascinada, depois de ter comfundido os Doutores da Lei com a argucia e magia de suas doutrinas, é agora tido o Nazareno em conta de embusteiro ; e por isso, á admiração de que era cercado succede o escarneo da plebe sanguisedenta. — O discipulo traidor vende o Mestre Amado e o horto de Gethsemani assiste ao osculo da perfidia de Judas e ás chufas da soldadesca desenfreada.
O calix d'amargura transbordou...
Ha pouco os templos do orbe christão se engrinaldavam de palmas verdejantes, e as mãos sagradas dos presbyteros benziam os ramos symbolicos; porém o quadro já se acha laivado de negras e abominaveis estrias.... O Messias promettido, entregue á sanha dos inimigos, soffre delações infames, supplicios incriveis, desesperos atrozes e por fim a condemnação de morte!
É' a estrada do Calvario co encontro de Maria, celebrados na procissão de Passos.
Os lamentos das filhas da cidade culpada, a repulsa castigada do Judeu maldicto, a effigie miraculosa da Veronica, o auxilio do caridoso Cyrineu, a presença angustiosa da Virgem, de Magdalena — a formosa peccadora convertida — e de João — o meigo apostolo favorito —,já foram precedidos do julgamento nefando, feito por Herodes e Pilatos, o qual a religião memóra com as Trevas dos dias que precedem as Endoenças de Quinta-Feira Santa, ou a exposição diurna e visivel do S. S. Sacramento. — Ultrajado pela furiosa massa de Phariseus, que pedem a crucificação, o humilde e bom Jesus ouve os interrogatorios d'um juiz tibio e as accusações d'outro magistrado cruel.
Vê Barrabás — o assassino e ladrão confesso — innocentado por uma absolvição venal, ao passo que elle — o Homem-Deus — vae com Dimas e Gestas, os bandidos de Samaria, subir a collina dos criminosos. Ahi dóres immensas e agonias inenarraveis lhe vão tisnar o semblante divino, no epilogo de seu comprido e medonho martyrio!...
O espantoso drama da morte de Christo vai ter fim no cimo do Golgotha...
Ahi vae se abalar o heroismo sobre-humano do Redemptor, aó contemplar a agitação desvairada d'aquelle seio adorado de Mãe, prestes a vêr o fructo de suás entranhas sacrificado á malvadez dos homens... E as lagrimas escaldantes da Arrependida juntas aos soluços commoventes do Evangelista, vão como poderosos afluentes engrossar aquelle torvo oceano de desditas! Rebatem-se cravos, cava-se o solo e o pesado madeiro é levantado, ostentando o espectaculo aterrador d'um corpo dilacerado: o descendente de David agonisa e chora...
A lentidão dessa tragedia unica tem o seu término. Esse sangue abundante, que se infiltra pela terra e pelos filões das montanhas e campinas, confunde-se com as aguas dos mares e rios, e produz um derrocar fragoroso de mundos — como se « tudo o creado » estivesse soffrendo o cravar pungente do remorso, pela morte de um Justo!...
Parece que a Natureza, convulsionando-se em suas profundezas, mostrava querer a destruição d'aquellas raças mergulhadas no peccado, e fazer nascer uma posteridade radiosa das gerações então redimidas pelo cruento sacrificio !
Rompe o côro das alleluias após as 24 horas da Sexta-Feira da Paixão, na qual sahe o imponente prestito do enterro do Senhor, acompanhado de todos os personagens, mencionados pela Egreja.
A mudez eloquente dos campanarios apaga-se, emquanto no cedro da tradição se dependura Judas de Karioth, blasphemando e renegando a paga miseravel da sua traição.
O Sabbado Santo, perpetúa o tumulo do Nazareno, amortalhado pelo piedoso Arimathéa e guardado pelas sentinellas pagãs. Mas em breve a espada de fogo do Anjo afugenta os guardas do sepulchro, e a lagea fria se levanta para ser cumprida a prophecia da Resurreição.
E o Rei dos Judêos, agora transformado em Senhor do universo, sóbe, glorioso e immortal, na nuvem de purpura e luz, até a morada celeste do Altissimo Pae: é a festa solemne da Ascenção, em que apparece Deus na sagrada especie. Não é mais o louro menino de Belém, supportando as abominaveis sentenças dos homens por amor dos homens : é Jesus Christo mudado em Providencia, no mysterio da Trindade, e adorado, em sua grandeza infinita, pela humanidade regenerada.
Ouro Preto — 1894.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
