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Pensar é preciso/I/Eros: a força cósmica do amor

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Eros é uma das “Divindades Primordiais”, aquelas que pertencem à “pré-história” da Mitologia grega. Segundo o pensamento órfico (de Orfeu, figura mítica que deu origem a uma doutrina filosófica e religiosa), Eros teria nascido do Ovo primordial (o Caos), engendrado pela Noite, cujas metades se separaram, dando origem à Terra e ao Céu. Ele é o princípio da atração universal, que leva as coisas a se juntarem, criando a vida. Eros é a força que assegura a coesão interna do Cosmo e a continuidade da vida na terra. Para o filósofo grego Platão, ele seria um dáimon, um demônio, uma força espiritual intermediária entre a divindade e a humanidade. Na cultura romana, Eros é confundido com Cupido, filho de Vênus (a deusa do amor) e de Marte (o deus da guerra), representado como uma criança alada, nua, armada com arco e flechas ou com espada e escudo, símbolo da paixão arrebatadora.

Vênus, a grega Afrodite, conforme narra o mito mais tradicional, nasceu da espuma do mar formada pelo esperma derramado pelo deus Céu (Urano), quando seu filho Saturno (o Cronos grego = deus do Tempo: passagem da eternidade para a temporalidade, início da História) lhe cortara os testículos. A deusa do amor e da beleza casou com Vulcano, o feioso deus do fogo, mas o traiu seguidamente: com Marte teve Cupido; com o mortal Anquises teve Enéias, o maior herói troiano e o fundador da raça latina; com Baco gerou Priapo; com Hermes (Mercúrio) deu à luz Hermafrodito, o ser bissexuado.

Com o passar do tempo, o sentido etimológico da palavra “erótico” se desfigurou, reduzindo o conceito a um tipo de satisfação carnal proibida (“sexo sem pecado é como ovo sem sal”, diria o cineasta Luís Buñuel), à nudez, à sacanagem, aos filmes pornôs. Confundiu-se Eros com Priapo, o deus do sexo, representado com um falo enorme, protetor dos reprodutores e símbolo da procriação. O Eros verdadeiro é o deus do amor no seu sentido integral, que engloba corpo e alma. A atração puramente física é animalesca e não humana. É apenas o bicho que tem o período do cio. O homem e a mulher se amam (ou deveriam se amar!) sempre e em todos os lugares por uma comunhão de sentimentos que transcende o aspecto corporal.

O erotismo, que verdadeiramente funciona e faz perdurar a atração recíproca por longo tempo, está no olhar apaixonado, na admiração que o amante sente pelas qualidades físicas e espirituais que consegue enxergar na pessoa amada. A função erótica, que estimula o desejo de uma forma mais duradoura, está evidenciada na poesia lírica, na pintura, na dança, nos filmes sentimentais, na arte em geral, pois supera o nível do real e penetra no mundo da fantasia, do sonho, do vago sentimento do inacessível. Por esse prisma, os Cânticos de Salomão e a poesia trovadoresca são mais eróticos do que o Kama Sutra. O erotismo está mais no sugerir do que no mostrar totalmente, no claro-escuro, na promessa do idílio, no mistério a ser desvendado, na repetição do ato do amor como se fosse sempre pela primeira vez. Como diz a poeta Adélia Prado, “erótica é a alma”! Só que conhecer o espírito de alguém é bem mais difícil do que lhe conhecer o corpo. Manuel Bandeira nos oferece uma reflexão interessante a respeito:


“Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque corpos se entendem; as almas, nem sempre”.


E, sobre a necessidade da renovação do desejo erótico, esta bela imagem do poeta Mário Quintana: “amar é mudar a alma de casa”. Enfim o erotismo, entendido como prática do amor num sentido bem geral, é onipresente a qualquer atividade humana bem sucedida. A escritora existencialista francesa, Simone de Beauvoir, companheira do poeta-filósofo Jean-Paul Sartre, é quem melhor define a essência da relação carnal: “O erotismo implica uma reivindicação do instante contra o tempo, do indivíduo contra a sociedade”.