Pensar é preciso/I/Tróia: Ilíada e Odisséia

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Tróia é o nome latino da antiga Ílion, próspera cidade situada na costa da Ásia Menor. No séc. XII a.C., a cidade troiana sofreu um assédio por uma frota de navios gregos que, depois de dez anos de luta, conseguiram expugná-la e incendiá-la. A guerra de Tróia é um fato histórico, documentado por resíduos arqueológicos, ao redor do qual, ao longo de quatro séculos de tradição oral, a fantasia popular foi inventando histórias fabulosas sobre deuses e heróis, gregos e troianos. Só em meados do séc. VIII, a Grécia já tendo uma língua escrita, um rapsodo “costurou” ( “rapsódia” significa juntar partes) vários episódios de heróis divinos e humanos, deixando para a posteridade documentos de alto valor poético e civilizacional. Se este rapsodo foi Homero ou os dois poemas épicos foram escritos por vários autores e em épocas diferentes, é assunto da proverbial “questão homérica”, que deu tanto trabalho a exegetas. Mais importante do que descobrir a autoria, é admirar a beleza da obra.

Antes de expor fatos, personagens e sentidos dos dois poemas, acho didático lembrar a história mítica criada para justificar a agressão grega ao território troiano. A guerra contra Tróia estava escrita nas estrelas, pois diretamente relacionada com o mito de Vênus e de outras divindades. Mitos divinos se misturam com lendas humanas, no céu e na terra. Narra o mito que o último rei de Tróia foi Príamo, casado com Hécuba. Quando a rainha estava grávida de seu 50° filho, sonhou com chamas e um adivinho aconselhou o casal a matar o nascituro, pois ele seria a causa da destruição de Tróia. Mas o servo encarregado da morte ficou com dó do recém-nascido e o abandonou no monte Ida, sendo criado por pastores, que lhe deram o nome Páris, “o que protege” o gado. Aqui se dá o cruzamento do mito humano com o divino. Houve uma festa de casamento, lá no Olimpo, para a qual não foi convidada Éris, a deusa da Discórdia (pudera! quem convidaria uma encrenqueira?). E ela, por vingança, pela janela do salão de festas, lançou um pomo com a escrita “para a mais bela”. As três principais deusas do Olimpo, Atena (Minerva), Hera (Juno) e Afrodite (Vênus), começaram uma briga, cada qual achando que o pomo era para si. Júpiter, então, escolheu como juiz um ser humano, o belo jovem Páris que, não sabendo de sua verdadeira filiação, vivia no meio de pastores.

Para obter a vitória, cada deusa tentou corromper o juiz, oferecendo o que possuía: Minerva lhe prometeu a sabedoria, Juno o poder e Vênus o amor. Páris entregou o Pomo da Discórdia a Afrodite, em troca da promessa da posse da mulher mais bonita da terra. Naquela época, por acaso, a miss mundi era a linda Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, irmão do poderoso Agamenão. Para cumprir a promessa, Vênus armou o encontro dos dois, que se tornaram amantes. Páris, já reconhecido como filho pelo rei Príamo, apesar dos tristes presságios da irmã Cassandra que tinha o dom da profecia, levou Helena para Tróia, sua cidade natal. Para vingar a honra maculada, uma coligação de príncipes gregos assediou Tróia. O mito, evidentemente, foi inventado para justificar a sanha expansiva dos gregos. É por causa dessa lenda que, na poesia épica grega, romana e lusitana, encontramos sempre Vênus protegendo os troianos e seus descendentes, os latinos, enquanto as outras duas deusas protegem o exército grego.

Mas, neste ponto, deve ser inserido outro mito fundamental da cultura ocidental: o de Ulisses, o grego Odisseu, o protagonista do outro poema épico, A Odisséia, e, talvez, o maior herói humano de todos os tempos. Ulisses nasceu como conseqüência de uma dúplice artimanha, preparada pelos dois homens mais inteligentes da Grécia da era pré-histórica: Sísifo, rei de Corinto, para vingar-se de Autólico, que lhe roubara o rebanho, seduziu-lhe a filha Anticléia. Mas isso era tudo o que o próprio Autólico tinha planejado, pois desejava ter um neto que herdasse a astúcia de seu rival Sísifo. A moça Anticléia, já grávida, abandonada por Sísifo, desposou Laertes, rei de Ítaca, que assumiu a paternidade da criança.

O jovem Ulisses, educado pelo sábio centauro Quirão, na idade de contrair núpcias, apaixonou-se por Helena, a mulher mais bonita da Grécia; mas, por serem muitos os pretendentes, desistiu da competição, estabelecendo o famoso “pacto”: os concorrentes à mão de Helena se comprometiam a respeitar a vontade da moça na escolha do esposo e a defender a união do casal. Helena escolheu como marido o príncipe grego Menelau e Ulisses casou-se com Penélope, prima de Helena. Declarada a guerra dos gregos contra Tróia para a reconquista de Helena, raptada pelo príncipe troiano Páris, Ulisses foi obrigado a participar do assédio de Tróia, vítima do acordo por ele próprio inventado. De sua inteligência nasceu o estratagema da construção do famoso Cavalo de Tróia. Mais façanhas de Ulisses encontram-se no poema que leva seu nome como título. Voltemos, agora, à apresentação do primeiro poema homérico.

Ilíada significa “sobre Ílion”, o nome antigo da cidade de Tróia, mas o poema se limita apenas a descrever alguns episódios e não a história dos dez anos que durou a briga entre gregos e troianos. O poema começa com a invocação:

Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles...

Observemos que Homero não diz “eu canto”, mas coloca como narrador da história a própria divindade. E isso por uma questão de coerência: como um ser humano poderia saber o que se passa lá no céu, estar presente em todos os lugares e em épocas diferentes? Ele se considera apenas um ser inspirado, um vate que recebeu o dom de ser o intermediário entre a divindade e a humanidade. É claro que se trata de um fingimento poético (e Fernando Pessoa bem dizia que “o poeta é um fingidor”, que finge tão bem ao ponto de enganar a si próprio), mas, pergunto eu, a sensação de sentir-se inspirado por uma força divina no ato de escrever não seria comum também aos líderes e escritores de textos considerados sagrados pelas várias religiões? Poeta é Profeta, e vice-versa: religião e arte sempre andaram juntas!

O assunto do que trata o poema Ilíada está anunciado nas duas palavras citadas acima: “a cólera de Aquiles”. Este é o protagonista do poema, filho do rei Peleu e da deusa Tétis que, segurando o recém-nascido pelo calcanhar, o banhou nas águas do rio Estige para torná-lo invulnerável. Portanto, o único ponto fraco ficou sendo o calcanhar que não recebeu a água sagrada. Daí, o proverbial “calcanhar de Aquiles”. Sua “cólera”, ira ou raiva está relacionada com a perda da bela escrava Briseida pelo prepotente chefe Agamenão (Helena, Briseida, Cleópatra, Cremilda... sempre elas, as moças bonitas, causas e vítimas de desgraças: cherchez la femme, dizem os franceses, quando buscam o motivo de um crime).

Os gregos, para se proverem de comida, roupa e mulheres, costumavam saquear cidadezinhas perto de Tróia. Na divisão de um butim, Agamenão e Aquiles ficaram com duas belas jovens, feitas escravas. Mas, a que ficara com o chefão, Criseida, era filha de um sacerdote de Apolo, que pediu vingança. O deus, então, lançou flechas envenenadas que começaram a dizimar homens e animais no acampamento. Para aplacar a ira divina, o conselho dos gregos obrigou Agamenão a devolver Criseida. Mas o poderoso chefão exigiu em troca a escrava Briseida, que era a concubina de Aquiles. Este, louco da vida, se retirou do combate. Os troianos, percebida a ausência do valoroso Aquiles, saíram dos muros da cidade e atacaram os gregos em seus acampamentos na praia. O herói troiano Heitor, filho do rei Príamo, acaba matando Pátroclo, amigo de Aquiles. Este, então, para vingar a morte de seu amigo, volta a combater os gregos, dirigindo sua ira especialmente contra o inimigo Heitor, encurralando-o até os muros de Tróia e matando-o, após uma luta singular e dramática. O poema acaba com os funerais de Heitor, pois o velho rei conseguira comover o raivoso herói grego, que lhe entrega o cadáver do filho.

Este pequeno resumo apresenta apenas uma pálida idéia da beleza poética e humana da Ilíada. Contar episódios de vida de deuses e homens que participaram da Guerra de Tróia é a forma que o poeta encontra para fixar para sempre, por virtude da arte literária, a galeria de heróis e de posturas humanas que a tradição oral foi criando e transmitindo ao longo de séculos e que se tornaram arquétipos na cultura ocidental. Aquiles, o protagonista deste poema épico (o nome certo deveria ser “Aquileida”, título de um poema do escritor latino Estácio e de outros imitadores de Homero), representa a força física, a perícia na guerra, o sentimento de honra, o caráter indomável que não se dobra perante a prepotência do chefe Agamenão, nem face aos desígnios do destino: mesmo conhecendo o vaticínio que anunciara sua morte logo após a de Heitor, ele mata o herói troiano para vingar a morte do amigo Pátroclo.

Aquiles encarna o homem na idade juvenil que se deixa dominar ora pela violência das paixões (ódio e agressividade), ora pela delicadeza dos sentimentos (amizade e piedade). Helena, a moça grega, que passou à história como Helena de Tróia, também ela semideusa, pois fruto do relacionamento de Júpiter com a mortal Leda, embora seja o pivô da guerra, não é considerada culpada. O próprio sogro dela, o rei Príamo, que mais sofre com a desgraça que está caindo sobre Tróia e sua imensa família, tem muito carinho por ela e sempre a defende, pois entende que Helena é vítima do destino, contra o qual ninguém pode. Ela é a representante humana da deusa Vênus, que simboliza o instinto, a força da paixão amorosa que vence qualquer norma moral. Helena é o símbolo da mulher fatal, seduzida e sedutora, que vive apenas em função do sexo. O mito narra que, após a tomada de Tróia, quando o marido Menelau a procura no palácio para vingar-se da traição, ela, sem falar uma palavra em sua defesa, simplesmente se despe: a visão da beleza do seu corpo transforma o ódio em novo amor.

Além de Aquiles e Helena, outros personagens importantes da Ilíada são: Agamenão, o prepotente chefe da armada grega; Heitor, o maior herói troiano, que luta bravamente para defender sua família e sua cidade; sua esposa Andrômaca que, contrastando com Helena, é a mais bela configuração de fidelidade conjugal, antecipando a Penélope de Ulisses, personagem da Odisséia; o belo Páris, que não sai da cama de Helena, preferindo fazer o amor em lugar da guerra, embora tenha sido ele a causa dela; Menelau, o marido traído, caracterizado como homem indulgente e sensato, preocupado em preservar os valores ideológicos da união conjugal e do respeito pelos bens alheios, pois, independentemente de qualquer sentimento amoroso, a mulher era considerada posse do esposo.

O segundo poema homérico, a Odisséia, narra a viagem do herói grego Ulisses (nome latino de Odisseu) que, cumprido a missão da reconquista de Helena e da destruição de Tróia, começa a caminhada de regresso a Ítaca, sua terra natal, onde o espera a virtuosa esposa Penélope. Conforme a tradição mítica, o herói grego leva dez anos para retornar. Somados aos dez da Guerra de Tróia, perfazem 20 anos de ausência do lar. Ítaca, ilha do mar jônico, não fica tão longe de Tróia, situada na costa da Ásia Menor. Mas era vontade divina que o herói grego tivesse uma viagem de volta bem acidentada.

A narração das aventuras de Ulisses não procede conforme a ordem cronológica. O poema começa quando o herói chega náufrago na ilha dos Feácios (a atual Corfú), após sete anos de sua partida de Tróia. Encontrado na praia pela bela princesa Nausica, Ulisses é acolhido na corte do rei Alcino e, durante um banquete, conta retrospectivamente suas aventuras. Este recurso técnico de narrar uma história começando pelo meio, in medias res, próprio da poesia épica, como veremos na Eneida, de Virgílio e nos Lusíadas, de Camões, será utilizados também pelo conto policial ou de suspense e pelo cinema.

Vou tentar reconstruir e resumir a fábula da Odisséia, colocando os principais acontecimentos na ordem cronológica para facilitar seu entendimento. O náufrago Ulisses, acolhido na corte dos Feácios, durante um banquete, ouve o aedo Demódoco contar como os gregos enganaram os troianos, construindo um enorme cavalo de madeira, dentro do qual esconderam dúzias de soldados. Convenceram, então, o rei Príamo a permitir sua entrada na cidade, pois se tratava de um presente divino. Como se pode ficar, aos poucos, os episódios da guerra de Tróia começaram a ser objetos de cantos populares. Ao ouvir esse canto, Ulisses não resiste à comoção e começa a chorar, revelando que é ele o herói da história. Conta, então, como, após o incêndio de Tróia, junto com outros gregos, em doze embarcações, inicia o caminho de volta para sua terra de origem. Após várias tempestades, os ventos jogam Ulisses e seus companheiros no Sul da Itália. Perto da ilha da Sicília, numa região vulcânica, são capturados pelo ciclope Polifemo, monstro antropófago com apenas um olho na fronte, que encerra os gregos numa gruta e toda a manhã come um forasteiro. O astuto Ulisses, que lhe diz chamar-se “Ninguém”, embebeda o ciclope e lhe enfia um pau no olho, conseguindo escapar do antro com o restante dos companheiros. Polifemo pede ajuda aos outros ciclopes, gritando “Ninguém me cegou”. Os irmãos, pensando que ele, bêbedo, estava brincando, não o acodem e os gregos conseguem alcançar os barcos e fugir.

Chegam à ilha de Éolo, o guardião dos ventos (daí o nome da energia “eólica”), que fecha num odre os ventos adversos para facilitar a chegada a Ítaca. Mas seus companheiros furam o saco, pensando conter vinho. E, mais uma vez, os ventos contrários os desviam do caminho certo. No litoral do Lácio, desembarcam numa ilha onde vive a feiticeira Circe, que transforma os companheiros de Ulisses em porcos. O herói, passado um ano feliz nos braços da bela deusa, resolve continuar a viagem, indo parar no golfo de Nápoles, numa localidade onde se acreditava estar o reino dos mortos. Feito um sacrifício ritual, desce numa gruta onde encontra as almas de figuras míticas: Tântalo, Sísifo, Agamenão, Aquiles, entre outras, cada qual contando sua história. Ao atravessar o estreito de Messina, entre os escolhos Cila e Caribdes, que separa a ilha da Sicília da península italiana, Ulisses coloca cera nos ouvidos de seus companheiros. Por sua vez, pede ser amarrado ao mastro do navio para não sucumbir ao irresistível canto das sereias, grandes pássaros com cabeça de mulher, que costumavam atrair os marinheiros contra os recifes.

Chegados na Sicília, a ilha consagrado a Hélios, o deus Sol, acabados os mantimentos, os companheiros de Ulisses matam e comem as vacas sagradas, sendo por isso condenados a uma morte violenta. Salva-se apenas o herói que respeitara a ordem divina. Após nove dias de naufrágio, Ulisses chega na ilha Ogígia (talvez a atual Gibraltar), no limite extremo do Ocidente, perto da península ibérica, o fim do mundo até então conhecido. A patroa da ilha é a bela ninfa Calipso que se apaixona perdidamente pelo herói grego, estando disposta a desposá-lo e a conceder-lhe a imortalidade.

Mas a deusa Atena, lá numa assembléia do Olimpo, exige que o destino seja cumprido e que Júpiter tome as providências necessárias para o retorno de Ulisses a sua pátria. Obediente à vontade divina, Calipso aconselha o herói a construir uma jangada e iniciar a viagem de volta para Ítaca. Mais uma vez o deus Netuno provoca uma tempestade que arrebenta o barquinho. Atena salva o herói providenciando um véu que o impede de afogar. A nado e exausto chega na ilha Esquéria, onde é protegido pela bela Nausica, a princesa dos Feácios.

Eis o resumo da narração em flash-back, a retrospecção dos fatos que Ulisses conta ao rei Alcino, na ilha dos Feácios, situada no mar Egeu, não muito longe de Ítaca. A partir daí, a narração dos fatos continua no tempo linear. Ulisses recusa a oferta de casamento com Nausica, desejoso de, finalmente, após quase vinte anos de aventuras, retornar ao seu lar. Um navio feácio leva o herói adormecido na praia de Ítaca. Em sonho, a deusa Atena aconselha Ulisses a não revelar sua identidade, pois há mais inimigos a enfrentar, também na sua terra. Ele, então, assume a feição de um fugitivo da ilha de Creta e pede hospitalidade, sendo reconhecido apenas pelo velho cão Argos e pelos escravos Eumeu e Euricléia.

Apresentado ao filho Telêmaco, os dois preparam a vingança contra os pretendentes à mão de Penélope. Acontecera que, devido à longa ausência de Ulisses, pensando que ele estivesse morto, vários nobres de Ítaca queriam que a bela rainha escolhesse outro marido. Mas o coração de Penélope lhe dizia que o esposo estava ainda vivo e um dia voltaria. Por isso ficava adiando a escolha, dizendo que só se casaria de novo após terminar uma mortalha para seu sogro Laertes. Mas ela desfazia de noite o que tecia de dia. Os pretendentes, após descobrirem a artimanha, ficaram violentos, dilapidando o patrimônio da corte.

Quando seu pai chegou disfarçado, Telêmaco aconselhou sua mãe a escolher como esposo o vencedor da prova do machado: usando o arco de Ulisses, os candidatos deviam fazer atravessar uma flecha pelo buraco de doze machados enfileirados. Ninguém conseguiu superar a prova. O estrangeiro, então, pediu permissão para também ele tentar. Ulisses superou o desafio, revelou sua verdadeira identidade e, com a ajuda do filho e dos antigos servos, acabou com os pretendentes. Penélope só se convenceu que ele era seu verdadeiro marido quando Ulisses lhe revelou segredos de alcova. O poema épico termina com a intercessão da deusa Atena junto a Júpiter para que uma paz duradoura reine sobre os soberanos e os habitantes da ilha de Ítaca.

O valor estético e educativo da Ilíada e da Odisséia é atestado pelas contínuas reedições dessas obras nas línguas mais diferentes dos cinco continentes. Apenas os livros da Bíblia superam os poemas atribuídos a Homero no mercado livresco internacional. E isso porque gregos, troianos, latinos e seus descendentes encontraram na poesia épica, além da beleza artística, ensinamentos de vida. Enquanto a Ilíada é a epopéia da guerra, a Odisséia é a epopéia do mar. O primeiro poema de Homero, mais antigo, retrata a luta dos gregos para a conquista de novos territórios. Neste estágio de civilização, o heroísmo guerreiro era fundamental.

Já a Odisséia espelha uma fase posterior, quando os gregos, deixando de ser nômades, se fixaram em cidades, chamadas póleis. Passaram, então, a descrever a vida nas cortes e nos palácios, usos, costumes, utensílios. A viagem marítima de Ulisses durou dez anos porque o poeta estava mais interessado em mostrar como viviam as várias povoações por ele visitadas do que o retorno do herói a sua terra natal. Enquanto na Ilíada predomina o valor dos homens nos campos de batalha, na Odisséia encontramos a valorização da família. Ulisses prefere o amor da esposa aos atrativos de deusas e rainhas, pois é a mulher que dá estabilidade ao lar. Vejam-se as belíssimas caracterizações de figuras femininas, como Penélope, Nausica, Calipso, Circe. Enfim, estamos perante uma concepção ética predominantemente conservadora e aristocrática, baseada na nobreza de sangue, na virtude, na honra, na sabedoria, na beleza. A presença dos deuses, que nasceram no tempo, mas se tornaram imortais, concebidos como representações de ideais humanos levados ao seu maior grau, atesta o desejo de superar a precária condição humana.