Ponto de Vista/IV

Wikisource, a biblioteca livre

Corte, 30 de outubro

Muito velhaca é você. Então porque lhe falei duas ou três vezes no rapaz, imagina logo que estou apaixonada por ele? Papai nestes casos costuma dizer que é falta da lógica. Eu digo que é falta de amizade.

E provo.

Pois se eu tivesse algum namoro, afeição ou coisa assim, a quem diria em primeiro lugar senão a você? Não fomos durante tanto tempo confidentes uma da outra? Supor-me tão reservada é não me ter amizade nenhuma, porque a falta de afeição é que traz a injustiça.

Não, Luísa, eu nada sinto por esse moço, a quem conheço de poucos dias. Falei nele algumas vezes por comparação com o pai; se eu estivesse disposta a casar-me, certamente que preferia o moço ao velho. Mas é só isto e nada mais.

Nem imagine que o Dr. Alberto (é o nome dele) vale muito; é bonito e elegante, mas tem ar pretensioso e parece-me um espírito curto. Você sabe como eu sou exigente nesses assuntos. Se eu não achar marido como imagino, fico solteira toda a minha vida. Antes isso, que ficar presa a um cepo, ainda que esbelto.

Também não basta ter os predicados que eu imagino para me seduzir logo. Anda agora aqui em casa um sujeito que nos foi apresentado há pouco tempo; qualquer outra moça ficava presa pelas maneiras dele; a mim não me faz a menor impressão.

E por quê?

A razão é simples; toda a graça que ele ostenta, toda a afeição que simula, todos os cortejos que me faz, quer saber o que é, Luísa? é que eu sou rica. Descanse; quando me aparecer aquele que o céu me destina, você será a primeira a ter notícia. Por ora estou livre, como as andorinhas que estão agora a passear na chácara.

E para vingar-me da calúnia, não escrevo mais. Adeus.

RAQUEL