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Post-facio

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POST-FACIO.


(CARTA AO DR. CAETANO FILGUEIRAS).

Meu amigo. Agora que o leitor frio e severo pôde comparar o meu pobre livro com a tua critica benévola e amiga, deixa-me dizer-te rapidamente duas palavras.

Recordaste os nossos amigos, poetas na adolescencia, hoje idos para sempre dos nossos olhos e da gloria que os esperava. Tão piedosa evocação será o palladium do meu livro, como o é a tua carta de recommendação.

Vae longe esse tempo. Guardo a lembrança delle, tão viva como a saudade que ainda sinto, mas já sem aquellas illusões que o tornavam tão doce ao nosso espirito. O tempo não corre em vão para os que desde o berço foram condemnados ao duelo infausto entre a aspiração e a realidade. Cada anno foi uma lufada que desprendeu da arvore da mocidade, não só uma alma querida, como uma illusão consoladora.

A tua penna encontrou espressões de verdade e de sentimento para descrever as nossas confabulações de poetas, tão serenas e tão intimas. Tiveste o condão de transportar-me a essas praticas da adolescencia poética; lendo a tua carta pareceu-me ouvir aquelles que hoje repousam nos seus tumulos; e ouvindo dentro de mim um ruido de applauso sincero ás tuas expressões, affigurava-se-me que eram elles que te applaudiam, como no outro tempo, na tua pequena e faceira salinha.

Essa recordação bastava para felicitar o meu livro. Mas onde não vae a amisade e a critica benevolente? Foste além: — traduziste para o papel as tuas impressões que eu, — mesmo despido desta modestia official dos preâmbulos e dos epílogos, — não posso deixar de acceitar como parciaes e filhas do coração. Bem sabes como o coração pôde levar a injustiças involuntarias, apezar de todo o empenho em manter uma imparcialidade perfeita.

Não, o meu livro não vae aparecer como o resultado de uma vocação superior. Confesso o que mo falta que é para ter direito de reclamar o pouco que possuo. O meu livro é esse pouco que tu caracterisaste tão bem attribuindo os meus versos a um desejo secreto de expansão; não curo de escolas ou theorias; no culto das musas não sou um sacerdote, sou um Gel obscuro da vasta multidão dos fieis. Tal sou eu, tal deve ser apreciado o meu livro; nem mais, nem menos.

Foi assim que eu cultivei a poesia. Se commetti um erro, tenho cumplices, tu e tantos outros, mortos, e ainda vivos. Animaram-me,e bem sabes o qae vale uma animação para os infantes da poesia. Muitas vezes é a sua perdição. Sêl-a-hia para mim? O publico que responda.

Não inclui neste volume todos os meus versos. Faltou-me o tempo para colligir e corrigir muitos delles, filhos das primeiras incertezas. Vão porem todos, ou quasi todos os versos de recente data. Se um escrúpulo de não accumular muita cousa sem valor me não detivesse, este primeiro volume sahiria menos magro do que é; entre os dois inconve- nientes preferi o segundo.

Como sabes, publicando os meus versos cedo ás sollicitações de alguns amigos, a cuja frente te pozeste. Devo declaral-o, para que não recaia sobre mim exclusivamente a responsabilidade do livro. Denuncio os cumplices para que soffram a sentença.

Não te bastou animar-me a realisar esta publicação; a tua lealdade quiz que tomasses parte nocommettimento, e com a tua propria firma sellaste a tua confissão. Agradeço-te o acto e o modo por que o praticaste. E se a tua bella carta não puder salvar o meu livro de um insucesso fatal, nem por isso deixarei de extender-te amigável e fraternalmente a mão.


Machado de Assis.

Rio de Janeiro, 1.º de Septembro
de 1864.