Preso entre quatro paredes
Preso entre quatro paredes
me tem Sua Senhoria
por golotão de despachos,
por fundidor de mentiras.
Dizem, que sou um velhaco,
e mentem por vida minha,
que o velhaco era o Governo,
e eu sou a velhacaria.
Quem pensara, e quem dissera,
quem cuidara, e quem diria,
que um braço de prata velha
pouca prata, e muita liga!
Tanto mais que o Braço Forte
fosse forte, que poria
um cabo de calabouço,
e um soldado de golilha!
Porém eu de que me espanto,
se nesta terra maldita
pode uma onça de prata
mais que dez onças de alquímia.
Quem me chama de ladrão,
erra o trincho à minha vida,
fui assassino de furtos,
mandavam-me, obedecia.
Despachavam-me a furtar;
eu furtava, e abrangia,
e são boas testemunhas
inventários, e partilhas.
Eu era o ninho de guincho,
que sustentava, e mantinha
com suor das minhas unhas
mais de dez aves rapinhas.
O Povo era, quem comprava,
o General, quem vendia,
eu triste era o corretor
de tão torpes mercancias.
Vim depois a enfadar,
que sempre no mundo fica
aborrecido o traidor,
e a traição muito bem vista.
Plantar de fora o ladrão,
quando a ladroíce fica,
será limpeza de mãos,
mas de mãos mui pouco limpas.
Eles cobraram o seu
dinheiro, açúcar, farinha,
até a mim me embolsaram
nesta hedionda enxovia.
Se foi bem feito, ou mal feito,
o sabe toda a Bahia,
mas se a traição ma fizeram,
com eles a traição fica.
Eu sou sempre o Braço Forte,
e nesta prisão me anima,
que se é casa de pecados,
os meus foram ninharias.
Todo este mundo é prisão,
todo penas, e agonias,
até o dinheiro está preso
em um saco, que o oprima.
A pipa é prisão do vinho,
e da água fugitiva
(sendo tão leve, ligeira)
é prisão qualquer quartinha.
Os muros de pedra, e cal
são prisão de qualquer vila,
d'alma é prisão o corpo,
do corpo é qualquer almilha.
A casca é prisão das fruitas,
da rosa é prisão a espinha,
o mar é prisão da terra,
a terra é prisão das minas.
É cárcere do ar um odre,
do fogo é qualquer pedrinha,
e até um céu de outro céu
é uma prisão cristalina.
Na formosura, e donaire
de uma muchacha divina
está presa a liberdade,
e na paz a valentia.
Pois se todos estão presos,
que me cansa, ou me fadiga,
vendo-me em casa d'EI-Rei
junto à Sua Senhoria?
Chovam prisões sobre mim,
pois foi tal minha mofina,
que, a quem dei cadeias d'ouro,
de ferro mas gratifica.