especie de fascinação, um mixto de respeito e de terror, capaz de dissipar todos os risos dos seus labios infantis. Era outra na presença da madrinha, fitava-lhe nas faces descarnadas e macilentas os bellos olhos negros; seguia-lhe, quasi assustada, o movimento dos labios austeramente contrahidos; tremia ao escutar-lhe a voz aguda e penetrante, falando nas peñas do inferno; chorava á menor reprehensão que d’ella recebia, e comtudo amava-a, amava-a, porque Ermelinda na sua candura de creança, suppunha a madrinha uma santa; avultavam-lhe, como virtudes beatificantes, os defeitos da devota velha; a innocente julgava-se uma grande peccadora quando, depois de ter na mente aquelle perfeito typo, voltava a olhar para si, para o fundo da sua consciencia; e que negros e hediondos peccados lá encontrava! Uma pequena mentirà que dissera; um domingo em que faltou á missa; um juramento que, sem o sentir, lhe saira da bôca; um jejum que não guardára, e outros crimes da mesma fôrça. A amedrontada creança chegava a receiar pela salvação da alma.
É sempre funesta a influencia que exercem sobre a infancia os caractères como os da beata.
O Herodes percebeu a impressão sob a qual estava a filha e acudiu-lhe.
—Toma lá, Ermelinda—disse elle, tirando da mala uma pequena medalha com um retrato.—É um présente do nosso amigo Angelo para nós, où antes, para ti...
Ermelinda pegou no retrato com não reprimido alvoroço. Era outra vez a creança.
A madrinha lançou para a medalha um olhar obliquo e reconheceu o retrato.
—Em nome do Padre e do Filho e do Espirito Santo!—rompeu ella, com um espanto exaggerado.—Este homem não tem a cabeça no seu logar, por maïs que me digam! Elle quer perder a filha de certo! A fazer a cabeça doida a uma creança!