Página:A saga de Apsû no Enūma eliš.pdf/20

Wikisource, a biblioteca livre
240

Nunt. Antiquus, Belo Horizonte, v. 16, n. 1, p. 221-270, 2020

é um deles, ainda que ser belo' seja o mais comum. (LAMBERT, 2013, p. 469)

Considerando isso, traduzi banû não por 'criar', que é uma das acepções possíveis em acádio, mas por 'engendrar', que, conforme o dicionário, tem os seguintes significados em português:

1. dar existência a'; 'formar', 'gerar' (engendrar crias); 2. 'tirar' ou 'surgir' aparentemente do nada, 'criar(-se)', 'produzir(-se)', 'gerar(-se)' (engendrar projetos de casas populares) (engendram-se várias soluções práticas para o problema), 2.1. fig. (a preguiça engendra ignorância) (ali todos viram engendrar-se a violência); 3. 'conceber na imaginação'; 'engenhar', 'imaginar', 'inventar' (engendrar pretextos); (cf. HOUAISS, 2001, s. v).

Essas três esferas semânticas, que se interpenetram, acredito que expressam bem os três campos de sentido que banû tem no poema: a) 'gerar', como em 1, 9, "engendraram-se deuses no seu interior [de Apsu e Tiámat]" e 1, 105, "engendrando quatro ventos, procriou-os Ánu"; b) 'criar', 'produzir', como em 7, 135, "porque os lugares celestes [Márduk] engendrou e formou o mundo inferior", 5, 39, "[Márduk] engendrou então o dia", e 6, 129, "à gente que [Márduk] engendrou, dotando-a de vida"; 3. 'conceber', 'engenhar', como em 1, 132, "em reunião postos, [os deuses] engendram a batalha", 6, 30, “Quingu é quem engendrou a guerra", e 7, 11, "engendre ele [Márduk] um sortilégio, os deuses sosseguem". Como é natural, alguns usos não são tão facilmente classificáveis, como quando se diz que Tiámat "engendrou Turbilhão — vento mau—, Borrasca, Ciclone" (1, 161), o que se poderia entender tanto como 'criou' quanto como 'gerou', ou em 131-132, "engendrar, destruir, perdoar, punir existam pois a seu mando", que resume bem o poder de Márduk, 'engendrar' tendo um sentido bastante amplo.


Verso 10: É notável como a referência aos dois primeiros deuses, Láhmu e Láhamu, retoma três termos usados dos dois versos anteriores, o que imprime um ritmo bem concertado à dição do poema: Láhmu e Láhamu