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Mas o seu espírito enleou-se em uma das cismas em que agora vivia de novo engolfada e nas quais muita vez por uma bizarria de sua imaginação o vulto desconhecido lhe aparecia com o rosto de Jorge.

Quando deu fé, o vulto estava defronte dela, parado na sombra. Vendo-se, ambos fizeram o mesmo movimento para retirar-se e ambos ficaram imóveis, olhando-se nas trevas. Passado um longo instante, Carolina afastou-se lentamente da janela; o desconhecido deixou a flor e desapareceu.

Essas entrevistas mudas continuaram por muito tempo, até que em uma delas o vulto saiu de sua imóvel contemplação, chegou-se por baixo da janela, tomou a mão da moça e beijou-a. Carolina estremeceu ao toque daquele beijo de fogo; quando lhe passou a vertigem que a tomara de súbito, nada mais viu.

Decorreram muitas noites sem que o desconhecido aparecesse.

Foi então que Carolina reconheceu a força desse amor misterioso. Recostada à janela, ansiosa, esperava pela hora da entrevista e, muitas vezes, a estrela d'alva, luzindo no horizonte, achou-a na mesma posição. O primeiro raio da manhã apagava-lhe o último raio de esperança.

Partilhada entre a idéia de que seu amante a houvesse esquecido, ou de que lhe tivesse sucedido alguma desgraça, sentia todas essas inquietações que requintam a força da paixão.

Enfim o vulto apareceu de novo. Foi na véspera.

Carolina não pôde reprimir um grito do coração; mas o desconhecido, insensível à sua demonstração, contemplou-a por muito tempo; e beijando-lhe a mão como na primeira vez deixou-lhe a flor envolta na carta.