Página:Ao correr da pena.djvu/283

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"Não há mais crédito senão no comércio. Em política é vender a dinheiro e não fiar de ninguém.

"Esses oradores, que prometiam esmagar o ministério, nem se atrevem a tocar na casa dos marimbondos; antes de começarem os discursos, já adoçaram a boca; já beberam o copo d'água com açúcar.

"No tempo de Cícero e Demóstenes não se usava o copo d'água com açúcar; por isso nota-se que o estilo daqueles famosos oradores é forte e vigoroso.

"Os de hoje, ao contrário, levam mel pelos beiços, e por isso têm sempre palavrinhas doces e açucaradas.

"E tenha um homem princípios numa quadra como esta! Tudo é mentira! Tudo é falsidade!

" Fronti nulla fides! Não há homem hoje em dia no qual se possa acreditar.

"Até o reverendo consta-nos do Jornal do Comércio já não é uma verdade oficial, uma confidência de ministros, uma página da pasta....

"Esse pigeon ministerial, mensageiro fiel dos segredos de Estado, tornou-se velho, mudou de penas, e hoje não passa de um canard, que por aí anda mariscando à beira da praia os poissons de primeiro de abril!

"Há dias fez o Sr. José Ricardo tomar posse da presidência duas vezes; ontem nomeou um Chefe de Polícia que infelizmente o Ministro da Justiça não quis confirmar".

Neste ponto do diálogo o nosso filósofo dobrou a esquina de modo que não pude mais acompanhar o seu monólogo.

Voltando-me, dei com um representante de província que caiu sob o raio do meu lorgnon.

Estava ocupado a guardar um livrinho verde; o seu Agenda .

Veio-me a curiosidade de ler uma página desse livro; e com o auxílio da luneta o consegui.

A primeira folha rezava assim: