Página:Caramuru 1781.djvu/24

Wikisource, a biblioteca livre


XXVII

Diogo então, que à gente miseranda,
Por ser de nobre sangue precedia,
Vendo que nada entende a turba infanda,
Nem do férreo mosquete usar sabia;
Da rota nau, que se descobre à banda,
Pólvora e bala em copia recolhia;
E, como enfermo que no passo tarda,
Serviu-se por bastão de uma espingarda.

XXVIII

Forte sim, mas de têmpera delicada,
Aguda febre traz desde a tormenta;
Pálido o rosto, e a cor toda mudada,
A carne sobre os ossos macilenta.
Mas foi-lhe aquela doença afortunada,
Porque a gente cruel guardá-lo intenta,
Até que, sendo a si restituído,
Como os mais vão comer, seja comido.

XXIX

Barbária foi (se crê) da antiga idade
A própria prole devorar nascida,
Desde que essa cruel voracidade
Fora ao velho Saturno atribuída;
Fingimento por fim, mas é em verdade,
Invenção do diabólico homicida,
Que uns cá se matam, e outros lá se comem:
Tanto aborrece aquela fúria ao homem.