Página:Historias e sonhos - contos (1920).djvu/166

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Desentolava os registros e a rapariga começava a examinar. De repente, à vista de uma daquelas oleogravuras, ela gritava:

- Leocádia! Leocádia!

Lá do interior da casa respondiam:

- Que é?

A outra acudia:

- Vem cá. Vem ver uma cousa.

Vinha uma outra rapariga e a que estava, recomendava, mostrando um dos quadros do "turco":

- Vê só como é lindo este Menino Jesus.

A outra examinava e concordava. O "turco" se animava e perguntava:

- Não quer compra ele?

Uma delas ia ao encontro da pergunta do bufarinheiro:

- Quanto é?

- Barata, sinhora.

- Quanto?

- Dois mil-réis.

- Chi, meu Deus! É caro, muito mesmo.

O pobre ambulante não fazia negócio algum; e continuava com a sua carga sagrada a palmilhar aquelas ruas que são mais propriamente veredas.

Ainda se houvesse árvores, sombra que amaciasse aquela manhã quente, embora linda e cristalina, o seu ofício seria suportável; mas não as havia. Tudo era descampado e as ruas eram batidas pelo sol em chapa. Lá ia ele. As calças ficavam-lhe pelos tomozelos; o chapéu era de feltro, mas não se sabia se era preto, azul, cinzento. Tinha todas as cores próprias a chapéus dessa espécie. Em um pé calçava uma botina amarela; em outro, um sapato preto.

- Cumpra, sinhor! Coisa bonita de Deus! Cumpra.

Foi dizendo isto a um petulante crioulo, muito preto, de um preto fosco e desagradável, cabeleira grande, gordurosa, repartida ao alto, e o chapéu a dançar-lhe em cima dela; foi dizendo isto a ele que lhe ia acontecendo urna grande desgraça naquela manhã. O negro, ao ouvi-lo,