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Qual dos dois?/XI

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Não é minha intenção apresentar Augusta como um caráter excepcional, nem como um espírito superior. Os sentimentos da moça eram, em resumo, os mesmos das outras mulheres. O que a dominava, porém, era uma certa frieza de temperamento que a tornava incompetente para os grandes afetos. Acrescente-se a isto uma tal ou qual vaidade de sua beleza, e aí temos o que era a filha de Madalena.

Educada pela mãe com uma perfeita independência de espírito, Augusta adquiriu certa aspereza que lhe fazia o caráter antipático. Era imperiosa, altiva, às vezes bondosa, mas bondosa por orgulho, não acreditando muito nem pouco na violência dos sentimentos; o amor para ela era simplesmente uma coisa que ela não compreendia, nem desejava compreender. Parecia-lhe melhor o triunfo numa sala que num coração.

Nem Luiz nem Daniel compreendiam isto; a indiferença da moça era apreciada por eles diversamente do que cumpria ser, e daí vinha a esperança de um e o capricho de outro. O verdadeiro triunfo seria abandonar o campo; talvez que o despeito produzisse nela o resultado favorável. Quem sabe? seria talvez a primeira a dar um passo para o esquivo namorado.

Luiz supunha que podia fascinar a moça pela grandeza de posição; algumas circunstâncias lhe davam razão para crer assim; mas eram simples circunstâncias.

Quanto a Daniel, um pouco picado em seu amor-próprio, assentou que de uma luta pertinaz poderia resultar proveito. Pareceu-lhe que era preciso ser um bom general em vez de diplomata fino. Afigurava-lhe que a espada de Condé tinha para o caso mais virtude que a pena de Metternich.

Com estas impressões saiu da casa de Augusta.

Era a primeira vez que no espírito do moço a vontade anunciava um papel ativo. Não era decerto o amor, senão o amor-próprio que o inspirava assim. Mas neste caso, amor-próprio já não era um sintoma do próprio amor? Daniel não percebeu isto; atirou-se à luta.

Começou a freqüentar a casa de Augusta na qualidade de amigo e vizinho. A moça foi com ele e com todos os outros atenciosa e polida, mas fria; distribuía a sua atenção com igualdade. Não dava direito a queixas nem esperanças; valia tanto para ela Daniel como Luiz.

Luiz freqüentava pouco a casa; nem se podia dizer que a freqüentava; ia lá de longe em longe; conversava meia hora e saía logo.

Posto que Daniel não entrasse nunca nas campanhas do namoro, e apenas contasse em toda a vida alguns fáceis triunfos do tempo da academia, todavia houve-se desde princípio como um verdadeiro cabo de guerra.

Foi difícil à moça resistir aos primeiros ímpetos da força arregimentada do rapaz. Aos tiros de artilharia, isto é, os olhares, resistiu ela com facilidade; ninguém tinha maior expressão de desdém do que ela quando se tratava de repelir os olhares de um cortesão.

Mas quando, depois de seus primeiros tiros, Daniel aproveitou uma situação adequada e atirou contra a fortaleza as massas compactas da infantaria, isto é, quando ele fez uma declaração em regra, Augusta não foi tão fácil na defesa, e, se repeliu o inimigo, foi com sensíveis perdas de sua parte.

Daniel acabava de declarar que a amava.

— Não creia, disse ele, que se trata de um amor de poeta. Eu não tenho nada de poeta; nem é coisa que me penalize. O meu amor vem um pouco da razão. Sou um homem temperado. Confesso que as suas graças me impressionaram bastante; mas creia que, se não a achasse digna de ser minha mulher, não lhe falava nisso. Estou que o amor duraria pouco mais que as rosas de Malherbe. Quer ser minha mulher?

Esta declaração, em que misturava a sinceridade com a insolência, foi dita com volubilidade, sem fogo nem lágrimas na voz, no meio de tudo com certa graça. Augusta, tão fácil em responder, se encontrasse um homem louco de amores, não achou logo uma palavra para opor à pergunta e pedido de Daniel.

A moça tinha encontrado um sapato para o seu pé.

A conversa que estou mencionando dava-se a um canto da sala; as demais pessoas estavam entretidas em grupos distintos.

Augusta desejou que ali chegasse alguém, cuja presença interrompesse a conversação; mas ninguém apareceu.

— Que me responde? perguntou Daniel.

— Respondo, disse Augusta, que não posso aceitar o seu amor, nem o seu pedido.

— Por quê?

Augusta olhou para ele espantada com a pergunta; mas como visse o olhar do moço, sereno e fixo, respondeu sorrindo:

— Formalmente, porque o não amo.

— Isso não é razão muito forte...

— No entanto...

— O amor viria com o tempo; bastava que me tivesse alguma afeição. Não tem?

— Não tenho.

— Que é preciso fazer para vir a tê-la?

— Isso não sei, respondeu Augusta.

Daniel tirou o relógio do bolso e depois de consultá-lo, tornou a guardá-lo silenciosamente. Na indiferença do rapaz, havia um tanto de cálculo, mas um tanto de sincero. Apenas guardou o relógio:

— Pois eu acho, D. Augusta, disse ele, que dificilmente poderia encontrar marido mais conveniente do que eu.

— Tem boa opinião em si, disse a moça sorrindo.

— A melhor opinião deste mundo, acudiu Daniel. Convencido de que os outros homens hão de ter sempre a meu respeito uma péssima opinião, eu compenso esse juízo infundado, pensando a meu respeito as melhores coisas possíveis. Por exemplo, a sua observação quer dizer que me julga fátuo; eu penso justamente o contrário a meu respeito.

— É uma compensação, observou Augusta.

— Então confessa?...

— Confesso que estou com muito calor, disse Augusta, levantando-se.

Daniel mordeu os beiços; mas levantou-se e ofereceu-lhe o braço.

— Vamos para a janela?

Augusta aceitou sem repugnância, nem vontade.

— Com efeito, aqui faz menos calor, disse Daniel apenas chegara à janela. E a noite está bonita.

— Está bonita, repetiu Augusta; mas se lá está calor, aqui está frio.

— Não tanto, não tanto. Estou a ver uma coisa, D. Augusta.

— O que é?

— É que tudo lhe parece exagerado. Nem lá faz tanto calor, nem aqui tanto frio. Por que esta maneira de apreciar as coisas? Não lhe parece que isso há de levá-la muita vez a ser injusta?

— Quando assim seja, disse Augusta, eu creio que a primeira vítima da injustiça serei eu.

— Perdão! nem sempre assim acontece; e é justamente por isso que a justiça me parece uma bela coisa. Queira meditar bem nestas palavras, D. Augusta: não julgue nunca pelos olhos do seu capricho.

Daniel dizia todas estas palavras com uma graça tão respeitosa que desarmava a moça; e no entanto já tinha o direito de deixá-la à janela e voltar à sala.

Quando ele lhe falou nos olhos do capricho, Augusta olhou espantada para ele; depois, respondeu:

— Os olhos do meu capricho podem ser maus; em todo caso, porém, não usarei dos óculos do seu despeito.

A alusão era clara; Daniel não contava com esta carga de baioneta.

— O meu despeito? disse ele; já sei ao que alude. Eu poderia calar-me, mas acaso é digno de nós deixar sem resposta uma alusão tão graciosamente feita? D. Augusta, eu repito o que lhe disse; amo-a, quisera recebê-la em casamento; mas a sua recusa é para mim tão sagrada que eu nem quero discuti-la; e inspira-me o mesmo sentimento que inspiraria a Virgem Maria se eu lhe pedisse uma graça e ela ma negasse; resigno-me sem pensar mais nisto.

Foi uma felicidade que entrassem neste momento Valadares e a mulher. Augusta foi abraçar Amélia, enquanto Daniel adiantou-se para ir apertar a mão a Valadares.