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Quem conta um conto/V

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—O sr. Pires?

—Foi à Secretaria de Justiça.

—Demora-se?

—Não sei.

Luís da Costa olhou para o major ao ouvir estas palavras do criado do sr. Pires. O major disse fleumaticamente:

—Vamos à Secretaria de Justiça.

E ambos foram a trote largo na direção da Rua do Passeio. Iam-se aproximando as três horas, e Luís da Costa, que jantava cedo, começava a ouvir do estômago uma lastimosa petição. Era-lhe, porém, impossível fugir às garras do major. Se o Pires tivesse embarcado para Santos, é provável que o major o levasse até lá antes do jantar.

Tudo estava perdido.

Chegaram enfim à Secretaria, bufando como dois touros. Os empregados vinham saindo, e um deles deu a notícia certa do esquivo Pires; disse-lhe que saíra dali, dez minutos antes, num tílburi.

—Voltemos à Rua dos Pescadores, disse pacificamente o major.

—Mas, senhor...

A única resposta do major foi dar-lhe o braço e arrastá-lo na direção da Rua dos Pescadores.

Luís da Costa ia furioso. Começava a compreender a plausibilidade e até a legitimidade de um crime. O desejo de estrangular o major pareceu-lhe um sentimento natural. Lembrou-se de ter condenado, oito dias antes, como jurado, um criminoso de morte, e teve horror de si mesmo.

O major, porém, continuava a andar com aquele passo rápido dos majores que andam depressa. Luís da Costa ia rebocado. Era-lhe literalmente impossível apostar carreira com ele.

Eram três e cinco minutos quando chegaram defronte do escritório do sr. Pires. Tiveram o gosto de dar com o nariz na porta.

O major Gouveia mostrou-se aborrecido com o fato; como era homem resoluto, depressa se consolou do incidente:

—Não há dúvida, disse ele, iremos à Praia Grande.

—Isso é impossível! clamou Luís da Costa.

—Não é tal, respondeu tranqüilamente o major, temos barca e custa-nos um cruzado a cada um: eu pago a sua passagem.

—Mas, senhor, a esta hora...

—Que tem?

—São horas de jantar, suspirou o estômago de Luís da Costa.

—Pois jantaremos antes.

Foram dali a um hotel e jantaram. A companhia do major era extremamente aborrecida para o desastrado alvissareiro. Era impossível livrar-se dela; Luís da Costa portou-se o melhor que pôde. Demais, a sopa e o primeiro prato foram o começo da reconciliação. Quando veio o café e um bom charuto, Luís da Costa estava resolvido a satisfazer seu anfitrião em tudo o que lhe aprouvesse.

O major pagou a conta e saíram ambos do hotel. Foram direitos à estação das barcas de Niterói; meteram-se na primeira que saiu e transportaram-se à imperial cidade.

No trajeto, o major Gouveia conservou-se tão taciturno como até então. Luís da Costa, que já estava mais alegre, cinco ou seis vezes tentou atar conversa com o major; mas foram esforços inúteis. Ardia entretanto por levá-lo até a csa do sr. Pires, que explicaria as coisas como soubesse.