Quem conta um conto/VII

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Ficaram sós o major e o sr. Pires.

— Agora, disse o primeiro, há de ter a bondade de me acompanhar à casa desse empregado do Tesouro...como se chama?

— O bacharel Plácido.

— Estou às suas ordens; tem passagem e carro pagos.

O sr. Pires fez um gesto de aborrecimento, e murmurou:

— Mas eu não sei...se...

— Se?

— Não sei se me é possível nesta ocasião...

— Há de ser. Penso que é um homem honrado. Não tem idade para ter filhas moças, mas pode vir a tê-las, e saberá se é agradável que tais invenções andem na rua.

— Confesso que as circunstâncias são melindrosas; mas não poderíamos...

— O quê?

— Adiar?

— Impossível.

O sr. Pires mordeu o lábio inferior; meditou alguns instantes, e afinal declarou que estava disposto a acompanhá-lo.

— Acredite, sr. major, disse ele concluindo, que só as circunstâncias especiais deste caso me obrigariam a ir à cidade.

O major inclinou-se.

O sr. Pires foi despedir-se do dono da casa, e voltou para acompanhar o implacável major, em cujo rosto se lia a mais franca resolução.

A viagem foi tão silenciosa como a primeira. O major parecia uma estátua; não falava e raras vezes olhava para o seu companheiro.

A razão foi compreendida pelo sr. Pires, que matou as saudades do voltarete, fumando sete cigarros por hora.

Enfim, chegaram a Catumbi.

Desta vez, foi o major Gouveia mais feliz que da outra: achou o bacharel Plácido em casa.

O bacharel Plácido era seu próprio nome feito homem. Nunca, a pachorra tivera mais fervoroso culto. Era gordo, corado, lento e frio. Recebeu os dois visitantes com a benevolência de um Plácido verdadeiramente plácido.

O sr. Pires explicou o objeto da visita.

— É verdade que eu lhe falei de um rapto, disse o bacharel, mas não foi nos termos em que o senhor repetiu. O que eu disse foi que o namoro da sobrinha do major Gouveia com um alferes era tal que até já se sabia do projeto de rapto.

— E quem lhe disse isso, sr. bacharel? Perguntou o major.

— Foi o capitão de artilharia Soares.

— Onde mora?

— Ali em Mataporcos.

— Bem, disse o major,

E voltando-se para o sr. Pires:

— Agradeço-lhe o incômodo, disse; não lhe agradeço, porém, o acréscimo. Pode ir embora; o carro tem ordem de o acompanhar até a estação das barcas.

O sr. Pires não esperou novo discurso; despediu-se e saiu. Apenas entrou no carro, deu dois ou três socos em si mesmo e fez solilóquio extremamente desfavorável à sua pessoa:

— É bem feito, dizia o sr. Pires; quem me manda ser abelhudo? Se só me ocupasse com o que me diz respeito, estaria a esta hora muito descansado e não passaria por semelhante dissabor. É bem feito!