Quincas Borba/LIV

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Quinze dias depois, estando Rubião em casa, apareceu-lhe o marido de Sofia. Vinha perguntar-lhe o que era feito dele? onde se tinha metido que não aparecia? estivera doente? ou já não cuidava dos pobres? Rubião mastigava as palavras, sem acabar de compor uma frase única. No meio disto, Palha viu que havia na sala um homem mirando os quadros, e abafou a voz.

— Desculpe, não vi que estava com visitas, disse ele.

— Desculpar o quê? é um amigo, como o senhor. Doutor, aqui está o meu amigo Cristiano de Almeida e Palha. Creio que já lhe falei dele. Este é o meu amigo Dr. Camacho, — João de Souza Camacho.

Camacho fez um sinal de cabeça, disse uma ou duas frase e quis sair; mas Rubião acudiu, que não, senhor, que ficasse. Eram ambos amigos; e depois a lua não tardava a iluminar a bela enseada de Botafogo.

A lua, — outra vez a lua, — e esta frase: Creio que já lhe falei dele, atordoaram de tal jeito o recém-chegado, que não lhe foi possível proferir uma palavra durante algum tempo. Bom é acrescentar que o dono da casa também não sabia que dissesse. Estavam os três sentados, Rubião no canapé, Palha e Camacho em cadeiras defronte um do outro. Camacho, que conservara a bengala na mão, pô-la verticalmente nos joelhos, batendo no nariz e olhando para o teto. Fora, rumor de carros, tropel de cavalos e algumas vozes. Eram sete horas e meia da noite, ou mais, perto de oito. O silêncio foi mais longo do que era lícito na ocasião; nem Rubião nem Palha davam por ele. Camacho é que, aborrecido, foi à janela, e exclamou dali para os dois:

— Lá vem o luar entrando!

Rubião fez um gesto, Palha outro; mas quão diferentes! Rubião era para transportar-se à janela; Palha ia a agarrá-lo pela gola. Cedia menos à divulgação possível da aventura do que à lembrança da violência com que ele pegara nas mãos da mulher para atraí-la a si. Um e outro contiveram-se; logo depois, Rubião, cruzando a perna esquerda sobre a direita, voltou-se para o Palha, e perguntou-lhe:

— Sabe que vou deixá-los?