Quincas Borba/LVIII
Dias antes, indo passar a noite em casa de um conselheiro, viu ali Rubião. Falava-se da chamada dos conservadores ao poder, e da dissolução da Câmara. Rubião assistira à reunião em que o Ministério ltaboraí pediu os orçamentos. Tremia ainda ao contar as suas impressões, descrevia a Câmara, tribunas, galerias cheias que não cabia um alfinete, o discurso de José Bonifácio, a moção, a votação... Toda essa narrativa nascia de uma alma simples; era claro. A desordem dos gestos, o calor da palavra tinham a eloqüência da sinceridade. Camacho escutava-o atento. Teve modo de o levar a um canto da janela, e fazer-lhe considerações graves sobre a situação. Rubião opinava de cabeça, ou por palavras soltas e aprobatórias.
— Os conservadores não se demoram no poder, disse-lhe finalmente Camacho.
— Não?
— Não; eles não querem a guerra, e têm de cair por força. Veja como andei bem no programa da folha.
— Que folha?
— Conversaremos depois.
No dia seguinte, almoçaram no Hotel de la Bourse, a convite de Camacho. Este referiu ao outro que fundara, meses antes, uma folha com o único programa de continuar a guerra a todo transe... Andava muito acesa a dissensão entre liberais; pareceu-lhe que o melhor modo de servir ao próprio partido era dar-lhe um terreno neutro e nacional.
— E isto agora serve-nos, concluiu ele, porque o governo inclina-se à paz. Já amanhã sai um artigo meu, furibundo.
Rubião ouvia tudo, quase sem tirar os olhos do outro, comendo rapidamente, nos intervalos em que o próprio Camacho inclinava a cabeça ao prato. Folgava de ver-se confidente político; e, para dizer tudo, a idéia de entrar em luta para colher alguma coisa depois, um lugar na Câmara, por exemplo, espanejou as asas de ouro no cérebro do nosso amigo. Camacho não lhe disse mais nada; procurou-o no dia seguinte, e não o achou. Agora, pouco depois de entrar, vinha o Palha interrompê-los.