Quincas Borba/XVII
— Sinhá comadre, o cachorro? perguntou Rubião com indiferença, mas pallido.
— Entre, e abanque-se, respondeu ella. Que cachorro?
— Que cachorro? tornou Rubião cada vez mais pallido. O que lhe mandei. Pois não se lembra que lhe mandei um cachorro para ficar aqui alguns dias, descançando, a ver se... em summa, um animal de muita estimação. Não é meu. Veiu para... Mas não se lembra?
— Ah ! não me falle nesse bicho! respondeu ella precipitando as palavras.
Era pequena, tremia por qualquer cousa, e quando se apaixonava, engrossavam-lhe as veias do pescoço. Repetiu que lhe não fallasse do bicho.
— Mas que lhe fez elle, sinhá comadre?
— Que me fez? Que é que me faria o pobre animal? Não come nada, não bebe, chora que parece gente, e anda só com o olho para fóra, a ver se foge.
Rubião respirou. Ella continuou a dizer os enfadamentos do cachorro; elle ancioso, queria vel-o.
— Está lá no fundo, no cercado grande; está sosinho para que os outros não bulam com elle. Mas o compadre vem buscal-o? Não foi isso o que disseram. Pareceu-me ouvir que era para mím, que era dado.
— Daria cinco ou seis, se pudesse, respondeu Rubião. Este não posso; sou apenas depositario. Mas deixe estar, prometto-lhe um filho. Creia que o recado veiu torto.
Rubião ia andando; a comadre, em vez de o guiar, acompanhava-o. Lá estava o cão, dentro do cercado, deitado a distancia de um alguidar de comida. Cães, gatos, saltavam de todos os lados, cá fora; a um lado havia um gallinheiro, mais longe porcos; mais longe ainda, uma vacca deitada, somnolenta, com duas gallinhas ao pé, que lhe picavam a barriga, arrancando carrapato.
— Olhe o meu pavão! dizia a commadre.
Mas Rubião tinha os olhos no Quincas Borba, que farejava impaciente, e que se atirou para elle, logo que um moleque abriu a porta do cercado. Foi uma scena de delirio; o cachorro pagava as caricias do Rubião, latindo, pulando, beijando-lhe as mãos.
— Meu Deus! que amizade! — Não imagina, sinhá comadre. Adeus, prometto-lhe um filho.