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Recordações do Escrivão Isaías Caminha/I

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A tristeza, a compreensão e a desigualdade de nível mental do meu meio familiar agiram sobre mim de um modo curioso: deram-me anseios de inteligência. Meu pai, que era fortemente inteligente e ilustrado, em começo, na minha primeira infância, estimulou-me pela obscuridade de suas exortações. Eu não tinha ainda entrado para o colégio, quando uma vez me disse: Você sabe que nasceu quando Napoleão ganhou a Batalha de Marengo? Arregalei os olhos e perguntei: Quem era Napoleão? Um grande homem, um grande general... E não disse mais nada. Encostou-se à cadeira e continuou a ler o livro. Afastei-me sem entrar na significação de suas palavras; contudo, a entonação de voz, o gesto e o olhar ficaram-me eternamente. Um grande homem!...

O espetáculo de saber do meu pai, realçado pela ignorância de minha mãe e de outros parentes dela, surgiu aos meus olhos de criança, como um deslumbramento.

Pareceu-me então que aquela sua faculdade de explicar tudo, aquele seu desembaraço de linguagem, a sua capacidade de ler línguas diversas e compreendê-las, constituíam, não só uma razão de ser de felicidade, de abundância e riqueza, mas também um título para o superior respeito dos homens e para a superior consideração de toda a gente.

Sabendo, ficávamos de alguma maneira sagrados, deificados... Se minha mãe me aparecia triste e humilde - pensava eu naquele tempo - era porque não sabia, como meu pai, dizer os nomes das estrelas do céu e explicar a natureza da chuva...

Foi com estes sentimentos que entrei para o curso primário. Dediquei-me açodadamente ao estudo. Brilhei, e com o tempo foram-se desdobrando as minhas primitivas noções sobre o saber.

Acentuaram-se-me tendências; pus-me a colimar glórias extraordinárias, sem lhes avaliar ao certo a significação e a utilidade. Houve na minha alma um tumultuar de desejos, de aspirações indefinidas. Para mim era como se o mundo me estivesse esperando para continuar a evoluir...

Eu ouvia uma tentadora sibila falar-me, a toda a hora e a todo instante, na minha glória futura. Agia desordenadamente e sentia a incoerência dos meus atos, mas esperava que o preenchimento final do meu destino me explicasse cabalmente. Veio-me a pose a necessidade de ser diferente. Relaxei-me no vestuário e era preciso que minha mãe me repreendesse para que eu fosse mais zeloso. Fugia aos brinquedos, evitava os grandes grupos, punha-me só com um ou dois, à parte, no recreio do colégio; lá vinha um dia, porém, que brincava doidamente, apaixonadamente. Causava com isso espanto aos camaradas: Oh! Isaías brincando! Vai chover...

A minha energia no estudo não diminuiu com os anos, como era de esperar; cresceu sempre progressivamente. A professora admirou-me e começou a simpatizar comigo. De si para si (suspeito eu hoje), ela imaginou que lhe passava pelas mãos um gênio. Correspondi-lhe à afeição com tanta força d’alma, que tive ciúmes dela, dos seus olhos azuis e dos seus cabelos castanhos, quando se casou. Tinha eu então dois anos de escola e doze de idade. Daí a um ano, saí do colégio, dando-me ela como recordação, um exemplar do "Poder da Vontade", luxuosamente encadernado, com uma dedicatória afetuosa e lisonjeira. Foi o meu livro de cabeceira. Li-o sempre com mão diurna e noturna, durante o meu curso secundário, de cujos professores, poucas recordações importantes conservo hoje. Eram banais! Nenhum deles tinha os olhos azuis de D. Ester, tão meigos e transcendentais que pareciam ler o meu destino, beijando as páginas em que estava escrito!...

Quando acabei o curso do Liceu, tinha uma boa reputação de estudante, quatro aprovações plenas, uma distinção e muitas sabatinas ótimas. Demorei-me na minha cidade natal ainda dois anos, dois anos que passei fora de mim, excitado pelas notas ótimas e pelos prognósticos da minha professora, a quem sempre visitava e ouvia. Todas as manhãs, ao acordar-me, ainda com o espírito acariciado pelos nevoentos sonhos de bom agouro, a sibila me dizia ao ouvido: Vai, Isaías! vai!... Isto aqui não te basta... Vai para o Rio!

Então, durante horas, através das minhas ocupações quotidianas, punha-me a medir as dificuldades, a considerar que o Rio era uma cidade grande, cheia de riqueza, abarrotada de egoísmo, onde eu não tinha conhecimentos, relações, protetores que me pudessem valer...

Que faria lá, só, a contar com as minhas próprias forças? Nada... Havia de ser como uma palha no redemoinho da vida - levado daqui, tocado para ali, afinal engolido no sorvedouro... ladrão... bêbado... tísico e quem sabe mais? Hesitava. De manhã, a minha resolução era quase inabalável, mas, já à tarde, eu me acobardava diante dos perigos que antevia.

Um dia, porém, li no "Diário de


" que o Felício, meu antigo condiscípulo, se formara em Farmácia, tendo recebido por isso uma estrondosa, dizia o "Diário", manifestação dos seus colegas.

Ora Felício! pensei de mim para mim. O Felício! Tão burro! Tinha vitórias no Rio! Por que não as havia eu de ter também - eu que lhe ensinara, na aula de português, de uma vez para sempre, diferença entre o adjunto atributivo e o adverbial? Por quê!?

Li essa notícia na sexta-feira. Durante o sábado, tudo enfileirei no meu espírito, as vantagens e as desvantagens de uma partida. Hoje, já não me recordo bem das fases dessa batalha; porém uma circunstância me ocorre das que me demoveram a partir. Na tarde de sábado, saí pela estrada fora. Fazia mau tempo. Uma chuva intermitente caía desde dois dias.

Saí sem destino, a esmo, melancolicamente aproveitando a estiada.

Passava por um largo descampado e olhei o céu. Pardas nuvens cinzentas galopavam, e, ao longe, uma pequena mancha mais escura parecia correr engastada nelas. A mancha aproximava-se e, pouco a pouco, via-a subdividir-se, multiplicar-se; por fim, um bando de patos negros passou por sobre a minha cabeça, bifurcado em dois ramos, divergentes de um pato que voara na frente, a formar um V. Era a inicial de "Vai". Tomei isso como sinal animador, como bom augúrio do meu propósito audacioso. No domingo, de manhã, disse de um só jato à minha mãe:

— Amanhã, mamãe, vou para o Rio.

Minha mãe nada respondeu, limitou-se a olhar-me enigmaticamente, sem aprovação nem reprovação; mas, minha tia, que costurava em uma ponta de mesa, ergueu um tanto a cabeça, descansou a costura no colo e falou persuasiva:

— Veja lá o que vai fazer, rapaz! Acho que você deve aconselhar-se com o Valentim!

— Ora qual! fiz eu com enfado. Para que Valentim? Não sou eu rapaz ilustrado? Não tenho todo o curso de preparatórios? Para que conselhos?

— Mas olhe, Isaías! você é muito criança... Não têm prática... O Valentim conhece mais a vida do que você. Tanto mais que já esteve no Rio...

Minha tia, irmã mais velha de minha mãe, não tinha acabado de dizer a última palavra, quando o Valentim entrou envolvido num comprido capote de baeta.

Descansou alguns pacotes de jornais manchados de selos e carimbos; tirou o boné com o emblema do Correio e pediu café.

— Você veio a propósito, Valentim. Isaías quer ir para o Rio e eu acabo de recomendar que se aconselhasse com você.

— Quando você pretende ir, Isaías? indagou meu tio, sem surpresa e imediatamente:

— Amanhã, disse eu cheio de resolução.

Ele nada mais disse. Calamo-nos e minha tia saiu da sala, levando o capote molhado e logo depois voltou, trazendo o café.

— Quer parati, Valentim?

— Quero.

Revolvendo lentamente o açúcar no fundo da xícara, meu tio continuou ainda calado por muito tempo. Tomou um gole de café, depois um outro de aguardente, esteve com o cálice suspenso alguns instantes, descansou-o na mesa automaticamente e, aos poucos, a sua fisionomia de largos traços de ousadia, foi revelando um grande trabalho de concentração interior. Minha mãe nada dissera até aí.

Num dado momento, pretextando qualquer coisa, levantou-se e foi aos fundos da casa. Ao sair fez a minha tia uma insignificante pergunta sobre o arranjo doméstico, sem aludir à minha resolução e sem despertar meu tio da cisma profunda em que se engolfara.

Ansioso, deixei-me ficar à espera de uma resposta dele, notando-lhe as menores contrações do rosto e decifrando os mais tênues lampejos de seu olhar. Houve um segundo que ele me pareceu ter suspendido todo o movimento exterior de sua pessoa. A respiração como que parara, tinha o cenho carregado, as rugas da testa larga e quadrada fixadas, como se tivessem sido vazadas em bronze, e os olhos imóveis, orientados para uma fresta da mesa, brilhantes, extraordinariamente brilhantes e salientes, como que a saltar das órbitas, para farejar o rasto provável da minha vida na intrincada floresta dos acontecimentos. Gostava dele. Era um homem leal, valoroso, de pouca instrução, mas de coração aberto e generoso. Contavam-lhe façanhas, bravatas portentosas, levadas ao cabo, pelos tempos em que fora, nas eleições, esteio do partido liberal. Pelas portas das vendas, quando passava, cavalgando o seu simpático cavalo magro, com um saco de cartas à garupa, murmuravam: "Que songa-monga! Já liquidou dois..."

Eu sabia do caso, estava mesmo convencido de sua exatidão; entretando, apesar das minhas precoces exigências de moral inflexível, não me envergonhava de estimá-lo, amava-o até, sem mescla de terror, já pela decisão de seu caráter, já pelo apoio certo que nos dera, a mim e a minha mãe, quando veio a morrer meu pai, vigário da freguesia de


. Animara a continuar meus estudos, fizera sacrifícios para me dar vestuário e livros, desenvolvendo assim uma atividade acima dos seus recursos e forças.

Durante os dois anos que passei, depois de ter concluído humanidades, o seu caráter atrevido conseguia de quando em quando arranjar-me um ou outro trabalho. Desse modo, eu ia vivendo uma doce e medíocre vida roceira, sempre perturbada, porém, pelo estonteante propósito de me largar para o Rio. Vai Isaías! Vai!

Meu tio ergueu a cabeça, pousou o olhar demoradamente sobre mim e disse:

— Fazes bem!

Acabou de tomar o café, pediu o capote e convidou-me:

— Vem comigo. Vamos ao coronel... Quero pedir-lhe que te recomende ao dr. Castro, deputado.

Minha tia trouxe o capote, e quando íamos saindo apareceu também minha mãe, recomendando:

— Agasalha-te bem, Isaías! Levas o chapéu de chuva?

— Sim, senhora, respondi.

Durante quarenta minutos, patinhamos na lama do caminho, até à casa do Coronel Belmiro. Mal tínhamos empurrado a porteira que dava para a estrada, o vulto grande do fazendeiro assomou no portal da casa, redondo, num longo capote e coberto de um largo chapéu de feltro preto. Aproximamo-nos...

— Oh! Valentim! fez preguiçosamente o Coronel. Você traz cartas? Devem ser do Trajano, conhece? Sócio do Martins, da rua dos Pescadores...

— Não senhor, interrompeu meu tio.

— Ah! É seu sobrinho... Nem o conheci... Como vai, menino?

Não esperou minha resposta; continuou logo em seguida:

— Então, quando vai para o Rio? Não fique aqui... Vá... Olhe, o senhor conhece o Azevedo?

— É disso mesmo que vínhamos tratar. Isaías quer ir para o Rio e eu vinha pedir a V. S...

— O quê? interrompeu assustado o coronel.

— Eu queria que, V. S., Sr. Coronel, gaguejou o tio Valentim, recomendasse o rapaz ao doutor Castro.

O coronel esteve a pensar. Mirou-me de alto a baixo, finalmente falou:

— Você tem direito, seu Valentim... É... Você trabalhou pelo Castro... Aqui para nós: se ele está eleito, deve-o a mim e aos defuntos, e você que desenterrou alguns. Riu-se muito, cheio de satisfação por ter repetido tão velha pilhéria e perguntou amavelmente em seguida:

— O que é que você quer que lhe peça?

— V. S. podia dizer na carta que o Isaías ia ao Rio estudar, tendo já todos os preparatórios, e precisava, por ser pobre, que o Dr. lhe arranjasse um emprego.

O Coronel não se deteve, fez-nos sentar, mandou vir café e foi a um compartimento junto escrever a missiva.

Não se demorou muito; as suas noções gramaticais não eram suficientemente fortes para retardar a redação de uma carta. Demoramo-nos ainda um pouco e, quando nos despedíamos, o Coronel abraçou-me, dizendo:

— Faz bem, menino. Vá, trabalhe, estude, que isto aqui é uma terra à-toa com licença da palavra, de m... O Castro deve fazer alguma coisa por você. Ele foi assim também... O pai, você o conheceu, seu Valentim?

— Sim, Coronel, disse meu tio.

— ...era muito pobre, muito mesmo... O Hermenegildo, o Castro, quis estudar. Nós... nós não, eu principalmente que era presidente, arranjei-lhe uma subvenção da Câmara... E foi assim. Hoje, acrescentou o Coronel imediatamente, não é preciso, o Rio é muito grande, há muitos recursos... Vá, menino!

Não chovia mais. As nuvens tinham corrido de um lado do horizonte, deixando ver uma nesga de céu azul.

Um pouco de sol banhava aquelas colinas tristes e fatigadas por entre as quais caminhávamos.

As cigarras puseram-se a estridular e vim vindo, de cabeça baixa, sem apreensões, cheio de esperanças, exuberante de alegrias.

A minha situação no Rio estava garantida. Obteria um emprego. Um dia pelos outros iria às aulas, e todo o fim de ano, durante seis, faria os exames, ao fim dos quais seria doutor!

Ah! Seria doutor! Resgataria o pecado original do meu nascimento humilde, amaciaria o suplício premente, cruciante e onímodo de minha cor... Nas dobras do pergaminho da carta, traria presa a consideração de toda a gente. Seguro do respeito à minha majestade de homem, andaria com ela mais firme pela vida em fora. Não titubearia, não hesitaria, livremente poderia falar, dizer bem alto os pensamentos que se estorciam no meu cérebro.

O flanco, que a minha pessoa, na batalha da vida, oferecia logo aos ataques dos bons e dos maus, ficaria mascarado, disfarçado...

Ah! Doutor! Doutor!... Era mágico o título, tinha poderes e alcances múltiplos, vários, polifórmicos... Era um pallium, era alguma coisa como clâmide sagrada, tecida com um fio tênue e quase imponderável, mas a cujo encontro os elementos, os maus olhares, os exorcismos se quebravam. De posse dela, as gotas de chuva afastar-se-iam transidas do meu corpo, não se animariam a tocar-me nas roupas, no calçado sequer. O invisível distribuidor dos raios solares escolheria os mais meigos para me aquecer, e gastaria os fortes, os inexoráveis, com o comum dos homens que não é doutor. Oh! Ser formado, de anel no dedo, sobrecasaca e cartola, inflado e grosso, como um sapo antes de ferir a martelada à beira do brejo; andar assim pelas ruas, pelas praças, pelas estradas, pelas salas, recebendo cumprimentos: Doutor, como passou? Como está, doutor? Era sobre-humano!...

Estávamos quase a chegar...

Pelo caminho, viemos, os dois, calados. Eu todo entregue às minhas reflexões, que meu tio, uma vez ou outra, veio perturbar com uma pergunta qualquer. Era sem vontade de continuar a conversa que eu respondia; depois da terceira tentativa para entabulá-la, não insistiu mais. O sol fugia aos poucos, as cigarras deixaram de cantar e quando chegamos a casa, a chuva caiu novamente.

Almocei, saí até à cidade próxima para fazer as minhas despedidas, jantei e, sempre, aquela visão doutoral que não me deixava. Uma face dela me aparecia, depois outra mais brilhante; esta provocava uma consideração, aquela mais uma propriedade da carta onipotente. De noite, no teto da minha sala baixa, pelos portais, eu via escrito pela luz do lampião de petróleo - Doutor! Doutor!

Quantas prerrogativas, quantos direitos especiais, quantos privilégios esse título dava! Pus-me a considerar que isso deveria ser antigo... Newton, César, Platão e Miguel Ângelo deviam ter sido doutores!

Foram os primeiros legisladores que deram à carta esse prestígio extraterrestre... Naturalmente, teriam escrito nos seus códigos: tudo o que há no mundo é propriedade do doutor, e se de alguma coisa outros homens gozam, devem-no à generosidade do doutor. Era uma outra casta, para qual eu entraria, e desde que penetrasse nela, seria de osso, sangue e carne diferente dos outros - tudo isso de uma qualidade transcendente, fora das leis gerais do Universo e acima das fatalidades da vida comum.

— Levas toda a roupa, Isaías? veio interromper minha mãe.

— A que houver, mamãe.

Eu estava deitado num velho sofá amplo. Lá fora, a chuva caía com redobrado rigor e ventava fortemente. A nossa casa frágil parecia que, de um momento para outro, ia ser arrasada. Minha mãe ia e vinha de um quarto próximo; removia baús, arcas; cosia, futicava. Eu devaneava e ia-lhe vendo o perfil esquálido, o corpo magro, premido de trabalhos, as faces cavadas com os malares salientes, tendo pela pele parda manchas escuras, como se fossem de fumaça entranhada. De quando em quando, ela lançava-me os seus olhos aveludados, redondos, passivamente bons, onde havia raias de temor ao encarar-me. Supus que adivinhava os perigos que eu tinha de passar; sofrimentos e dores que a educação e inteligência, qualidades a mais na minha frágil consistência social, haviam de atrair fatalmente. Não sei que de raro, excepcional e delicado, e ao mesmo tempo perigoso, ela via em mim, para me deitar aqueles olhares de amor e espanto, de piedade e orgulho. Aos seus olhos - muitas vezes se me veio a afigurar - eu era como uma rapariga, do meu nascimento e condição, extraordinariamente bonita, vivaz e perturbadora... Seria demais tudo isso; cercá-la-ia logo o ambiente de sedução e corrupção, e havia de acabar por aí, por essas ruas...

Por vezes, também acreditei que ela nada quisesse exprimir com eles; que tinha por mim a indiferença da máquina pelo seu produto. Que importa aos teares de Valenciennes o destino de suas rendas?!

Eu cria-a, então, resignada a ficar ali, nas proximidades de uma cidade de terceira ordem, tendo, de onde em onde, notícias minhas naquela grande cidade que a sua imaginação a custo havia de representar. E quem sabe se as notícias seriam de ordem a provocar-lhe dúvidas sobre sua maternidade?! Coitada! Pobre de minha mãe!

— Olhe, mamãe, disse eu, logo que me arrume mando-a buscar. A senhora está ouvindo?

— Sim, respondeu ela com fingida indiferença.

— Alugaremos uma casa. Todos os dias, quando eu for trabalhar, tomarei a sua bênção; quando tiver de estudar até alta noite, a senhora há de dar-me café, para espantar o sono... Sim, mamãe?

E me pus a abraçá-la efusivamente.

— É bom! Estuda Isaías, fez ela, desvencilhando-se de mim brandamente. Não te importes comigo... Estuda, meu filho! Eu já estou velha demais...

— Mamãe, não acredita em mim.

— Acredito, meu filho; mas... mas não quero sair daqui.

No dia seguinte, quando me despedi, ela deu-me um forte abraço, afastou-se um pouco e olhou-me longamente, com aquele olhar que me lançava sempre, fosse em que circunstância fosse, onde havia mesclados, terror, pena, admiração e amor.

— Vai, meu filho, disse-me ela afinal! Adeus!... E não te mostres muito, porque nós...

E não acabou. O choro a tomou convulsa e foi chorando que me afastei.