Refutação de todas as heresias/V/XV
Estas afirmações são as principais[1] da doutrina setiano, à medida que podemos escrever sobre ela em poucas palavras. Seu sistema é feito (das doutrinas) dos (filósofos) naturais, e de expressões elaboradas em referência a outros assuntos; e transferindo (o sentido) destas afirmações ao Logos eterno[2], eles se explicam, como declaramos. Eles afirmam que Moisés confirma sua doutrina quando diz, "trevas, neblina e tempestade." Eles, (os setianos) dizem que são os três princípios do nosso mundo; eles ainda afirmam que os três foram criados no paraíso - Adão, Eva e a serpente; ou também se refere à três pessoas, Caim, Abel e Sete; e novamente de outros três - Sem, Cã e Jafé; ou também aos três patriarcas - Abraão, Isaque e Jacó; ou quando eles falam da existência de três dias antes do sol e da lua; ou quando são mencionados três tipos de leis - proibitiva, permissiva e punitiva. Uma lei proibitiva seria o que se segue: "De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás"[3]. E na passagem "Sai-te da tua terra, e da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei"[4], mostra uma lei permissiva; porque deve se estar disposto a partir aquele que não está disposto a ficar. E uma lei punitiva está na seguinte declaração: "Não cometerás adultério, não matarás, não roubarás"[5], porque uma punição é dada àqueles que cometem esses atos de maldade.
O sistema de sua doutrina, entretanto, é (derivado)[6] dos antigos teólogos Museus, Lino e Orfeu[7] que elucidam especialmente as cerimônias de iniciação, assim como os mistérios. Porque sua doutrina do útero é também uma doutrina de Orfeu; e a (idéia do) umbigo[8] que é a harmonia[9], com o mesmo simbolismo das bacanais de Orfeu. Mas antes da observância do rito místico de Celeu, Tripolemo, Ceres, Proserpina e Baco em Eleusis, essas orgias eram celebradas em Flío[10] da Ática[11]. Antecedentes os mistérios eleusinos, eram encenadas em ---- as orgias[12] da "Grande (Mãe)". Porém há um pórtico nessa (cidade), e nele está escrito uma representação, (visível) até hoje, de todas as palavras que foram faladas (em tais ocasiões). Muitas delas são a respeito das discussões de Plutarco em seus dez livros contra[13] Empédocles. E nos maiores[14] números dos livros contém a imagem da representação de um homem idoso, com cabelo grisalho, alado[15] tendo seu pudendo ereto, perseguindo uma mulher de cor anil[16]. E sobre o homem idoso há a inscrição phaos ruentes e sobre a mulher pereëphicola[17]. Mas phaos ruentes[18] é interpretado pelos setianos como o luz (que existe), e phicola as águas escuras; enquanto que no espaço entre eles há uma harmonia criada pelo espírito que foi colocado entre eles. O nome phaos ruentes manifesta com o fluir da luz para cima, de acordo com sua alegação. Por isso é razoável supor que os setianos celebram ritos assim, muito próximos às orgias (observadas) pelos filasianos à "Grande Mãe". E o poeta parece dar testemunho da divisão tripla quando diz: "E todas as coisas foram divididas em três partes, e tudo obteve sua distinção (própria)"[19], isto é, cada uma das partes da divisão obteve uma capacidade (particular). Em relação à doutrina da água subjacente, que é escura, porque a luz foi arrumada para fluir para cima e receber a chama que se origina embaixo; em relação à essa doutrina, suponho que os sábios setianos derivam (sua opinião) de Homero:
- Pela terra eu juro, e além dos Céus acima,
- E abaixo da corrente do Estige, o maior juramento
- Do poder solene, para atar os benditos deuses."[20]
Isto é, de acordo com Homero, os deuses consideram a água como sendo repugnante e horrorosa. É o contrário da doutrina dos setianos, que afirma (que a água) é formidável à mente[21].
Notas
[editar]- ↑ προστάται. Essa é uma expressão militar aplicada àqueles com as maiores patentes num batalhão de soldados; mas também é empregada em assuntos civis, para designar, usando um exemplo de Atenas, aqueles que protegiam os μέτοικοι (estrangeiros, literalmente alienígenas), e outros sem direitos de cidadão. Προστάτης era o patronus romano.
- ↑ Ou "peculiar a eles".
- ↑ Gênesis 2:16
- ↑ Gênesis 12:1
- ↑ Êxodo 20:13-15
- ↑ ὑπὸ, de acordo com Miller.
- ↑ Eles pertencem ao período lendário da filosofia grega. Museus fez sucesso em Atena, Lino em Tebas, e Orfeu na Trácia. Eles postulavam suas doutrinas em sistemas teológicos brutos, que consequentemente inspiraram a cosmogonia e teogonia de Hesíodo. Ver Treatise on Metaphysics, cap. II, 33, 34.
- ↑ ὀυφαλος; pode ser também φαλλὸς, que siginifica a figura, geralmente de madeira, de um membrum virile. Isso harmoniza com o que Hipólito já mencionou sobre Osíris. Uma figura de acordo com essa descrição era carregada em procissões solenes nas orgias de Baco como símbolo do poder de criação da natureza. A adoração do lingam entre os hindus tem a mesma descrição.
- ↑ ἁρμονία (Schneidewin). Cruice lê como ἀνδρεία (virilidade), que concorda com φαλλὸς (ver nota precedente). Para φαλλὸς, Schneidewin lê ὀμφαλός (umbigo).
- ↑ N.T.:Parece que Flío era um monte ao nordeste da ilha de Quíos, ou pode se referir à Fliunte, no território grego de Argolis.
- ↑ Ou "da Acaia" (ver Meinekius, Vindic. Strab., p. 242).
- ↑ A leitura de Miller está obviamente incorreta, a saber, λεγομένη μεγαληγορία, sugerindo ele μεγάλη ἑορτή. Outras tentativas foram feitas para preencher e esclarecer o significado, mas não diferem muito da tradução acima, que é coincidente com outras fontes.
- ↑ πρὸς, ou "a respeito". Entretanto, uma referência do catálogo dos trabalhos de Empédocles, dado por Fabricius (t. v. p. 160), mostra que para πρὸς, deve se ler εις.
- ↑ πλείοσι, Miller leria como πυλεῶσι, "portões".
- ↑ Ou πετρωτὸς, usado com πετρώδης, "feito de pedra" [Nota do editor original: Uma genitália masculina alada era usada pelas mulheres de Pompéia como ornamento, sendo substituída pelas mulheres cristãs por uma cruz.].
- ↑ κυανοειδῆ; alguns leriam κυνοειδῆ, "como um cão".
- ↑ Alguns interpretam que seja Persófone.
- ↑ Ao invés disso, alguns lêem como phanes rueis, que é uma expressão encontrada em um hino de Orfeu.
- ↑ Ilíada, XV. 189 (Veja a passagem sobre Hesíodo no fim do primeiro livro).
- ↑ Ilíada, xv. 36–38 (Lord Derby); Odisséia, v. 185–187.
- ↑ Miller propõe razoavelmente que ao invés de τῷ νοΐ , ler como στοιχείο ν, "que afirma que a água é um elemento formidável."