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Relatório da comissão mista brasileiro-peruana de reconhecimento do Alto Purus/Observações...

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A exemplo da grande maioria dos tributários da margem direita do Amazonas, o Purus parece inteiramente estranho à nossa história. Surge, incidentemente, numa ou noutra referência fugitiva. A frase do padre João Daniel no seu imaginoso "Tesouro Descoberto" resume, quanto a este ponto, todo o saber dos nossos velhos cronistas: "Entre o Madeira e o Javari, em distância de mais de duzentas léguas, não há povoação alguma, nem de branco, nem de tapuias mansos, ou missões."

Entretanto, este abandono figura-se-nos devido menos às condições reais, que às lacunas lamentáveis das nossas tradições. Aos nossos antigos cronistas faltou sempre uma visão superior, de conjunto, permitindo-lhes abranger outras relações além da marcha linear dos roteiros que seguiam, ou dos objetivos definidos que buscavam. E a este propósito poderíamos citar numerosíssimos exemplos, que poriam de manifesto os aspectos particularíssimos em que se fracionam, desunidos, os fastos amazônicos, quer despontem nos dados rigidamente positivos dos astrônomos das demarcações reais, quer das narrativas ingênuas dos missionários, uns e outros adstritos aos regimentos que os norteavam.

O próprio Alexandre Rodrigues Ferreira, o maior polígrafo dos nossos tempos coloniais, em sua "Viagem Filosófica" tacanheou um belo espírito em desvaliosas minúcias e raro lançou um olhar para fora das instruções que o manietavam. E como estas, em geral, impunham aos exploradores o caminho pelo eixo da grande artéria fluvial, apenas com as variantes do rio Negro ou do rio Branco, por ali ficaram também, na sua grande maioria, os narradores, alheios aos fatos ocorridos noutros pontos que, embora de menor monta, talvez contribuíssem bastante para uma urdidura mais firme de sucessos que ainda hoje mal se definem, parcelados e discordes.

Como quer que seja, traçando-se uma linha irregular das serras setentrionais da Amazônia para o ocidente, a buscar numa inflexão para o sul, as cabeceiras do Napo, e descendo por este e pelo Amazonas até ao Pará, tem-se delimitado quase todo o cenário dos fastos amazônicos.

Para o sul _ excluindo-se o Madeira, historicamente ligado a Mato Grosso, feito a mais arrojada diretriz da expansão paulista _ ficava o deserto, waste of waters, como ainda escrevia em 1877 William Hadfield, copiando, num lamentável exagero, as velhas fantasias que há muito imprimiam naquelas paragens uma feição misteriosa e estranha.

O Purus, sobretudo, foi desde o começo vitimado pelos antigos cronistas. Entrou pela primeira vez na história com um traçado maravilhoso e singularíssimo.

Realmente, todos os fatos o apontam como sendo aquele surpreendente "Rio dos Gigantes", a que se refere o padre Cristovam d'Acuña "...um famoso rio, que os índios chamam Cuchiguara.42 (ii) É navegável ainda que em partes com algumas pedras; tem muito pescado, grande quantidade de tartarugas, abundância de maíz43 (iii) e mandioca e tudo o necessário para facilitar a sua entrada."

Refere-se depois aos que o povoam, e cita, entre as numerosas tribos, a dos curús-curús, corruptela evidente de Purus-Purus, e a dos curiquerês...

"...gigantes de dezesseis palmos de altura e mui valentes e andam nus; trazem grandes pateras de ouro nas orelhas e narizes e para chegar a seus povos são necessários dous meses contínuos de caminho desde a boca do Cuchiguara."

Lançada neste rumo a geografia mitológica do Purus, não maravilha que pouco tempo depois um cartógrafo de excepcional responsabilidade, Guillaume de L'isle ― 1o. geógrafo da Academia Real de Ciências de Paris ― ao resumir, em 1703, as noções sobre o Brasil desse ao grande rio tão caprichoso desenho. A sua carta mostra-nos o Purus, sob um outro nome, "R. des Omopalens", estirando-se no rumo vivo do sul até à latitude de 18º, onde se esgalha em nascentes que vão além de La Paz. E nessas origens uma ligeira nota explicativa acerca de novos seres singulares que as povoam:

"Mutuanis, que l'on dit être des geans riches en or, habitants à 2 mois de chemin de l'embouchure de la Rivière." Persistia, como se vê, a novela do crédulo cronista do capitão-mor Pedro Teixeira.

Entretanto estes deslizes nada mais revelam além do propender para o maravilhoso, próprio daqueles tempos. O mesmo Padre João Daniel, no mesmo livro de onde extratamos a frase a princípio citada, dá acerca do Purus uma indicação tão justa, que elimina a conjectura de ser ele de todo desconhecido no século XVIII:

"É o rio Purus tão grande, que tem para cima de 30 dias de boa navegação, porque não tem as trabalhosas catadupas dos demais..."

Aí estão dous elementos, a extensão e a natureza geral do leito, sugerindo a existência de explorações ou antigos esforços, aos quais talvez houvesse faltado um historiador.

Também os sugere a carta de Antonio Pires da Silva Pontes Leme, astrônomo das reais demarcações.44 (iv) Contemplando-a, notam-se as embocaduras do Purus com a disposição que hoje têm e, embora uma delas, a de Paratary, se alongue, destacada, como se fosse um outro rio, vê-se que o rio principal se deriva até à latitude de 6°30' com um traçado muito próximo ao verdadeiro, perdendo o rumo do sul, que até então lhe davam, à ventura, os cartógrafos, e descambando para S.O., paralelamente ao Madeira. Ainda se observa no mesmo mapa um largo Paraná-mirim (lat. 5°40') misturando através de um tributário, rio Capana, as águas do Madeira e do Purus. Ora, aquela coordenada coincide quase com a da foz do Paraná-pixuna, e, apesar de não existir a comunicação referida, esta identidade de posições é mais um indício da existência de alguns dados superiores às vagas informações dos selvagens.

Mais recentemente Aires do Casal, na sua "Corografia Brasílica" (1817), embora incidisse num erro que viria até ao nosso tempo, apresenta, acerca das nascentes, dúvidas que o colocam, como geógrafo, na vanguarda de outros mais modernos. ..."que esses rios (o Tefé e o Purus) não descem das serras do Peru, onde alguns disseram que eles principiavam, prova-se com a existência da comunicação do Ucaiale com o Mamoré pelo rio da Exaltação e lago Roguagoalo; mas, se eles saem desses lagos, como outros querem, ou se tem as suas origens mais ao setentrião, é o que não podemos asseverar"45(v) O lago Roguagoalo foi por muito tempo a inexaurível matriz de numerosos rios, cujas nascentes demoram na montaña boliviana entre os paralelos de 10° e 15°.

Assim é que ainda em 1852 o capitão-tenente Amazonas, referindo-se às origens do grande rio e considerando "prejudicada a pretensão de serem nas serras de Cuzco pela da comunicação do Ucaiale com o Mamoré por meio do rio da Exaltação", inclina-se aos que julgam ser o Purus um desaguadouro do precipitado lago.46(vi)

O professor James Orton, em 1868, substituiu este erro por um outro, maior, mais surpreendente entre todos: presumiu ser o Purus o lendário Amaru-Maiú ou "Rio das Serpentes", dos Incas; e traçou-o a partir dos Andes fertilizando o vale romântico de Paucar-Tambo antes de derivar pelos terrenos complanados da Amazônia.47(vii)

Gibbon e Hencke consideravam-no um prolongamento de Madre de Dios, contravindo neste ponto à cinca inexplicável de Paz Soldan, que em 1862, na sua Geografia do Peru, e no Atlas respectivo, apresenta o Madre de Dios e o Inambary como afluentes do Marañon. Diante de juízos tão contrapostos, compreende-se que a "Royal Geographical Society" de Londres comissionasse, em 1864, um de seus membros, William Chandless, para resolver o controvertido assunto, ou, como se usou dizer por muito tempo ― o problema do Madre de Dios e do Purus.

Mas antes disto no Brasil firmara-se, sistematicamente, o reconhecimento do último.

De fato, à parte as viagens infrutíferas de João Cametá (1847?) até ao Ituxi, e de Serafim da Silva Salgado (1852), até além do Iaco, abriu-se em 1861, com Manoel Urbano da Encarnação, uma quadra fecunda de trabalhos notáveis.

Manoel Urbano, um cafuz destemeroso e sagaz, tinha, a par do ânimo resoluto e sobranceiro aos perigos, uma vivacidade intelectual, "a great natural intelligence", no dizer de Chandless, que muito contribuiu para o ascendente que teve sobre todas as tribos ribeirinhas, e para que se abrisse naquelas bandas um dos melhores capítulos da nossa história geográfica.

Os serviços que prestou foram extraordinários, e merecem outras páginas além das rápidas linhas desta resenha.

Obediente às instruções do Governo provincial do Amazonas, a primeira de suas dilatadas viagens levava o objetivo de verificar a existência, há longo tempo propalada, de uma comunicação entre o Purus e o Madeira, a montante da zona encachoeirada deste último.

Manoel Urbano, efetuando-a, traçou quase todo o itinerário das explorações ulteriores. Partindo de Manaus a 27 de janeiro daquele ano, chegou, depois de 55 dias de viagem morosa, em canoas, à boca do Ituxi, de onde alcançou 32 dias depois a do Acre (Aquirí). Penetrou por este e subiu-o durante vinte dias de navegação esforçada, estacando apenas quando o extremo abaixamento das águas anulou todos os esforços dos dedicados pamaris, que lhe arrastavam a canoa. Volveu então, águas abaixo, ao rio principal; e durante quarenta dias percorreu-o ao arrepio da corrente, até além do Rixala (quebrada S. Juan, dos peruanos), chegando perto da foz do Curumahá (Curanja), acerca de 2800 quilômetros da do Purus, distância que até então não se percorrera.

Como efeito imediato desta expedição firmou-se definitivamente a ausência da citada comunicação, naqueles pontos, e tornaram-se conhecidos novos tributários entre o Acre e o Curinahá (hoje Santa Rosa). Além disto, descobriu-se um igarapé conduzindo a um varadouro para o Juruá (por intermédio do Jurupari e do Tarahuacá) ― e como a travessia se operara acima das cabeceiras do Tefé e do Coari, esta simples circunstância bastou a corrigir-se os cursos destes últimos, até então exageradamente avaliados. Manoel Urbano dirigiu, depois, as suas pesquisas a outros rumos, sempre em procura da comunicação precitada. Entrou pelo Mucuim e numa viagem de vinte e poucos dias, vingando sucessivas cachoeiras, e captando a confiança dos pammanás esquivos, alcançou a margem esquerda do Madeira, no salto do Teotonio, após um "varadouro" de dez léguas. Volvendo ao Purus, seguiu em demanda do Ituxi e investiu-o até ao trecho encachoeirado, além da embocadura do Punicici.

Efetuadas por um homem inculto, apenas aparelhado de um tino admirável, essas viagens, entretanto, forneceram os primeiros dados seguros a respeito do Purus e de três dos seus maiores afluentes, assim como das tribos que os povoavam. As mesmas distâncias itinerárias entre os vários pontos e as direções gerais dos vários segmentos do rio surpreenderam pouco depois a William Chandless (viii),48 e as notícias relativas à disposição geral das terras, número e caracteres das tribos, bem poucas alterações ulteriormente sofreram.

É natural que elas influíssem por tanta maneira no espírito do Governo, que este resolvesse persistir num esforço tão brilhantemente iniciado.49 (ix). Foi o que sucedeu, de fato, a 13 de fevereiro de 1862, data das instruções entregues pelo Dr. Carneiro da Cunha, presidente do Amazonas, ao engenheiro J. M. da Silva Coutinho, encarregado de um reconhecimento do Alto Purus e dos seus afluentes mais importantes. A missão era complexa. Além do levantamento hidrográfico, tinha aquele profissional de atender à estrutura geológica do vale, à flora, às propriedades dos terrenos mais afeiçoados às culturas; ao número e caracteres das tribos e meios mais eficazes para vinculá-las à civilização; ― e, como remate, à tentativa de uma passagem ao Juruá, pelo varadouro descoberto por Manoel Urbano. Este último acompanhou aquele profissional, assim como o botânico alemão Wallis, o primeiro representante da ciência européia que penetrou no Purus.


O engenheiro Silva Coutinho enfeixou as suas observações num pormenorizado relatório, datado de 1 de março de 1863, onde, além de um estudo geral do rio, se descriminam os afluentes, lagos, ilhas, barreiras, casas e rochedos, que se encontram desde a sua foz até ao Rixala (S. Juan), além de ampla notícia dos índios, produção, natureza dos terrenos, etc. Este trabalho, em que a colaboração de Manoel Urbano se manifesta claramente, é por muitos títulos notável, sendo para lamentar que as circunstâncias não permitissem a de Wallis.

Silva Coutinho, além dos dados interessantes que apresentou, teve um largo descortino do futuro, naquelas paragens. Apesar de ter subido apenas até Huitanahan ― de onde voltou o Pirajá que o conduzira, por falta de víveres ― desenhou com eloquente simplicidade a grandeza das paragens ignoradas:

"A importância do Purus é muito grande para que se abandone a idéia de seu reconhecimento. Quando na Europa com tanto interesse se discute a questão do Madre de Dios, não devemos nós, particularmente interessados na questão, cruzar os braços indiferentemente. A região mais rica do Peru e da Bolívia só pode comunicar com o Amazonas por meio do Purus e do Hiuruá (Juruá) rios que não têm cachoeiras e que oferecem fácil comunicação em quase todo o curso. (x)"50 Ora, William Chandless veio, um ano depois (1864), precisamente para resolver essa "questão do Madre de Dios" ― um dos aspectos do velho problema de ligação das bacias do Amazonas e do Prata ― e posto que a deixasse sem um remate definitivo, realizou a mais séria entre todas as explorações do grande rio. Pela primeira vez fixaram-se em coordenadas astronômicas os seus pontos principais ― e quando muitas outras indagações ele não fizesse, aquela simples circunstância bastava a dar-lhe um dos primeiros lugares não já entre os cientistas que estudaram a Amazônia senão entre todos os que têm perlustrado o nosso país. Dificilmente se encontra um outro tão pertinaz, tão consciencioso, tão lúcido e tão modesto.

A sua viagem penosíssima, de oito meses, em que teve como únicos auxiliares os índios bolivianos e os hipurinãs que lhe impeliam a canoa, é talvez a mais tranqüila das grandes expedições geográficas. Não tem um incidente, um episódio emocionante, ou um quadro surpreendente, dos que sempre aparecem nessas investidas com o desconhecido. É assombrosa e interessante apenas pelos grandes resultados que teve, desdobrados com raro rigorismo das mais simples leituras barométricas às mais sérias determinações de coordenadas.

Sob este último aspecto, principalmente, são o melhor modelo dos trabalhos geográficos em nossa terra.

Avalia-o quem quer que tenha subido um dos rios amazônicos, encarregado de idêntica tarefa. Realmente, bem poucas regiões se lhes emparelham no criar obstáculos a um observador: a umidade extrema imprópria, geralmente os céus, mesmo quando o tempo é constante e claro, exatamente nas horas mais aptas às observações de alturas, porque os melhores dias começam quase sempre densamente bruscos, até às 8h. a. m., tornando indecisos os contatos do sol para as determinações horárias, e encerram-se num misto de treva e neblinas, através das quais mal palejam as estrelas; nas cabeceiras, a estreiteza dos rios, afogados entre as grandes árvores, reduz o campo para a escolha dos astros, trancando o firmamento até 45° de altura, o que corresponde a anular a maioria das situações mais propícias aos trabalhos; os paus que da parte média para as nascentes atravancam [o] leito, determinando continuados choques, determinam continuados "saltos", tão prejudiciais às marchas dos cronômetros, já prejudicadas pelos intermitentes destes últimos por terra, ao longo das barrancas, nas passagens dos rápidos e das cachoeiras; as sinuosidades caprichosas dos traçados exigem uma atenção permanente e exaustiva na leitura dos rumos, que mudam a todo o instante, e acumula-os, numerosíssimos, nas cadernetas, aumentando todas as causas de erro no desenho ulterior; as anomalias barométricas, ainda hoje inexplicáveis, não só tornam duvidosas todas as altitudes, senão diminuem a importância de uma das correções dos cálculos de alturas; e, ao cabo, como se não bastassem tantos empecilhos, falta ao observador (obrigado não raro a empanar as vistas com um véu) a serenidade indispensável que lhe tiram, na melhor ocasião, a sucção dos piuns durante o dia, as ferroadas dos carapanãs durante a noite e os cáusticos das mantas blancas e meruins invisíveis, torturas que às vezes tem de suportar, estoicamente imóvel, para não perder no momento preciso a passagem de uma estrela ou um contato do sol. William Chandless dominou isolado (nem tinha quem lhe lesse o cronômetro) estas dificuldades.

Balanceando bem os erros inevitáveis que se somariam, cada vez maiores, no cálculo de suas longitudes por meio do transporte do tempo e em condições tão desvantajosas, não só os atenuou por meio de longitudes absolutas de lugares longamente intervalados, como os compensou por meio de observações duplas, nos mesmos pontos, na subida e na baixada.

Deste modo retificava o levantamento hidrográfico, à medida que o efetuava, e tornava solidários os trabalhos topográfico e astronômico numa urdidura rigorosa.

Compreende-se que a sua carta tivesse, depois, bem poucas mo[di]ficações e se constituísse molde único aos numerosos geógrafos-copistas que a aproveitaram, ajeitaram e não raro deturparam.

Infelizmente esta exploração notável não teve o desfecho que merecia. Tendo estudado com segurança quase todo o Purus e o Aquirí [ou rio Acre], Chandless em virtude de um ligeiro desvio de sua rota, nas cabeceiras do primeiro, não pôde assegurar, de modo decisivo o divortium entre elas e as dos mananciais do Madre de Dios e do Ucaiale.

Deduziu-o apenas. Não apresentou o fato positivo que só lhe daria a observação direta.

Assim sobre as nascentes diz: "From the small size of both branches (Cujar e Curiúja) at the farsthest points I reached (10°36'44" lat. 72°09'00" W.G) e (10°52'52" lat. 72°17'00" long. W.G) and their rapid diminuition, it is pretty clear that they cannot come from any very great distance; in my opinion little, if at all, to S of 11° lat.; certainly not from the cordillera".

Esclarece-o, quanto a este último ponto, o não ter encontrado, ali, nenhum espécime de granito ou de qualquer outra rocha plutônica.

Conclui: ..."then the Madre de Dios is certainly not the sourse of the Purus."

E logo depois revelando certa inseguridade num juízo definitivo sobre o assunto:

"Certainly the simplest solution of the problem would be a descent of the Madre de Dios from the Cordillera..." Estes extratos são bem eloqüentes, mas não invalidam, ou diminuem os esforços do notável explorador, traído nos seus últimos passos por uma circunstância de todo em todo fortuita. Realmente cotejando-se, nas cabeceiras, a carta de W. Chandless e a nossa, põe-se de manifesto que o ilustre geógrafo ao alcançar à última bifurcação da South Fork (Cujar) (72°20'41" long. W. G. 10°51'16" L. S.) prosseguiu, infletindo para a direita, pelo rio de maior volume e que prolonga melhor o Cujar, deixando à esquerda, desatado no quadrante de S., o Cavaljani, isto é, o caminho que em menos de oito dias o levaria simultaneamente aos vales do Ucaiale e do Madre de Dios, depois de transmontar o diminuto cerro por onde derivam da nossa banda o ribeirão do Pucani, último galho meridional do Purus, e do outro a "quebrada" Machete, um dos últimos galhos setentrionais do Ucaiale. O desenlace de seus esforços seria então surpreendedor, porque ao mesmo passo e num só dia chegaria a muitas conclusões valiosíssimas:

a) mostraria a independência da bacia do Purus, e o alongamento máximo das suas origens para o sul, sem atingir o paralelo de 11°;

b) veria que as nascentes do Madre de Dios e do Ucaiale, naquelas bandas, divergentes a partir do estreito istmo de Fitz-Carral, justificam com tal proximidade, em parte, os velhos erros que sobre elas durante tantos anos perduraram;

c) comparando-as com as do Purus, que ali apenas se separam por uma ondulação de menos de dous quilômetros, de varadouro, não só justificaria os que tantas vezes confundiram o grande afluente amazônico com o Madre de Dios, como revelaria o fato geográfico, absolutamente sem par, desse irradiar das origens de três grandes artérias fluviais a partir de uma reduzidíssima área, fora da sublevação andina, de altura relativa inapreciável, e não tendo talvez sobre o nível dos mares a diferença de quinhentos metros.

Apesar disto a sua exploração é ainda hoje a mais séria de quantas houve no Purus. As que se lhe sucederam em nada modificaram os seus resultados gerais.

Citemos apenas as grandes explorações por terra (1870-1872) do coronel Antonio Rodrigues Pereira Labre e engenheiro Alexandre Haag, para o traçado de uma estrada entre o porto de Lábrea e o de Florida, no Beni; a viagem, meramente descritiva, de Barrington Brown and William Lidstone (1873), que chegaram apenas até à barreira de Huitanahan51(xi); e a da comissão mista brasileiro-boliviana, em 1897, para a implantação dos marcos da linha Beni-Javari.

Em resumo: a geografia do Purus durante longos anos ficou inscrita nas linhas traçadas por William Chandless em 1867. Depois, o que é inverossímil, retrogradou. Forrando-nos a uma empresa malévola, não explanaremos um caso originalíssimo de cartografia: a planta do notável viajante, copiada de todos os modos, calcada e recalcada por sem número de fabricantes de mapas, acabou de todo falseada. A geografia do Purus volvia, regressiva, aos tempos anteriores a Manoel Urbano. À medida que surgiam as cartas ― dos que nunca se afoitaram com o grande rio ― embaralhavam-se novas linhas, apagavam-se outras, retorcia-se caprichosamente o leito principal, esticava-se o seu traçado até 12° ou mais, removiam-se afluentes de uma para outra margem, alteravam-se nomes, trancavam-se embocaduras...52(xii)

Não exemplifiquemos. Sem exagero pode-se dizer que o Purus, com tanta lucidez definido por William Chandless, ia a pouco e pouco voltando a ser o fabuloso Cuchiguara velado nos absurdos que aprouve emprestar-lhe a fantasia maravilhosa dos cronistas e cartógrafos que se sucederam de Cristovam d'Acuña e Guilhaume Delisle.

Depois de W. Chandless, o único reconhecimento que se fez no ramo principal do Purus até às cabeceiras foi o que motivou o presente trabalho, o da Comissão Mista brasileiro-peruana, de reconhecimento, sendo os seus resultados em grande cópia um complemento dos esforços daquele explorador.