Reverendo Frei Carqueja

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1Reverendo Frei Carqueja,
quentárida com cordão,
magano da religião,
e mariola da Igreja:
Frei Sarna, ou Frei Bertoeja,
Frei Pirtigo, que o centeio
moes, e não dás receio,
Frei Burro de Lançamento,
pois que sendo um Frei Jumento,
és um jumento sem freio.
  
2Tu, que nas pardas cavernas
vives de um grosso saial,
és carvoeiro infernal,
pois andas com saco em pernas:
lembram-te aquelas fraternas,
que levaste a teu pesar,
quando a Prelada Bivar
por culpa, que te cavou,
de dia te desfradou
para à noite te expulsar.
  
3Pela dentada, que Adão
deu no vedado fruteiro,
de folhas fez um cueiro,
e cobriu seu cordavão:
a ti o querer ser glutão
de outra maçã reservada,
ao vento te pôs a ossada,
mas com diferença muita,
que se nu te pôs a fruita,
tu não lhe deste a dentada.
  
4De José se diz cad'hora,
que o fez um seno de chapa
deixar pela honra a capa
nas mãos da amante senhora:
tu na mão, que te namora,
por honra, e por pundonor
deixas hábito, e menor,
mas com desigual partido,
que José de acometido,
e tu de acometedor.
  
5Desfradado em conclusão
te vistes em couro puro,
como vinho bem maduro,
sendo, que és um cascarrão:
era pelo alto serão,
quando a gente às adivinhas
viu entre queixas mesquinhas
na varanda um Frade andeiro
saído do Limoeiro
a berrar pelas casinhas.
  
6Como Galeno na praça
apareceste ao luar
pobre, roubado do mar,
que era ver-te um mar de graça:
quando um pasma, e outro embaça;
não me tenham por visão,
frade sou inda em cueiros,
tornei-me aos anos primeiros,
e Bivar foi meu Jordão.
  
7Porque luz se te não manda,
tu por não dar num ferrolho,
dizem, que abriste o teu olho,
que é cancela, que tresanda:
chovias por uma banda,
e por outra trovejavas,
viva tempestade andavas,
porque à comédia assistias,
que era tramóia fingias,
e na verdade o passavas.
  
8Ninguém há, que vitupere
aquele lanço estupendo,
quando o teu pecado vendo
tomaste o teu miserere:
mas é bem, que me exaspere
de ver, que todo o sandeu,
que nos tratos se meteu
de Freiras, logo confessa,
que isso lhe deu na cabeça,
e a ti só no cu te deu.
  
9Dessa hora temerária
ficou a grade de guisa,
que se até ali foi precisa,
desde então foi necessária:
tu andaste como alimária,
mas isso não te desdoura,
porque fiado na coura
da brutesca fradaria
estercaste estrebaria,
o que gostas manjedoura.
  
10Que és frade de habilidade,
dás grandíssima suspeita,
pois deixas câmara feita,
o que foi té agora grade:
tu és um corrente Frade
nos lances de amor, e brio,
pois achou teu desvario
ser melhor, e mais barato,
do que dar o teu retrato,
pôr na grade o teu feitio.
  
11Corrido enfim te ausentaste,
mas obrando ao regatão,
pois levaste um lampião
pela cera, que deixaste:
sujamente te vingaste
Frei Azar, ou Frei Piorno,
e estás com grande sojorno,
e posto muito de perna,
sem veres, que essa lanterna
te deram, por dar-te um corno.
  
12O com que perco o sentido,
é ver, que em tão sujo tope
levando a Freira o xarope
tu ficaste o escorrido:
na câmara estás provido
e de ruibarbo com capa,
mas lembro-te Frei Jalapa,
que por cagar no sagrado
o cu tens excomungado,
se não recorres ao Papa.
  
13Muito em teus negócios medras
com furor, que te destampa,
pois sendo um louco de trampa,
te tem por louco de pedras:
é muito, que não desmedras,
vendo-te trapo, e farrapo,
antes co’a Freira no papo,
como no sentido a tinhas,
parece, que a vê-la vinhas,
pois vinhas com todo o trapo.
  
14Tu és magano de lampa,
Bivar é Freira travessa,
a Freira pregou-te a peça,
mas tu armaste-lhe a trampa:
se o teu cagar nunca escampa,
nunca estie o seu capricho,
e pois ta pregou, Frei Mixo,
chame-se por todo o mapa
ela travessa de chapa,
e tu magano de esguicho.