Reverendo Padre Alvar

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1Reverendo Padre Alvar,
basta, que por vossos modos
saís a campo por todos
os Mariolas de altar?
mal podia em vos falar,
quem notícia, nem suspeita
tem d’asno de tão má seita:
mas como vos veio ao justo
a sátira, estais com susto,
de que por vós fora feita.
  
2Convosco a minha camena
não fala, se vos não poupa,
porque sois mui fraca roupa
para alvo da minha pena:
se alguém se queima, e condena,
por que vê, que os meus apodos
vão frisando por seus modos,
ninguém os tome por si,
um pelo outro isso si,
que assim frisarão com todos.
  
3Vós com malícia veloz
aplicai-o a um coitado,
que este tal terá cuidado
de vo-lo aplicar a vós:
desta aplicação atroz
de um por outro, e outro por um,
como não livrar nenhum,
ninguém do Poeta então
se virá a queixar, senão
do poema que é comum.
  
4Bonetes na minha mão,
como os lanço ao ar direitos,
caindo em vários sujeitos
nuns servem, e noutros não:
não consiste o seu senão,
nem menos está o seu mal
na obra, ou no oficial,
está na torpe cabeça,
que se ajusta, e endereça
pelos moldes de obra tal.
  
5E pois, Padre, vos importa
nos meus moldes não entrar,
deveis logo endireitar
a cabeça, que anda torta:
mas sendo uma praça morta,
e um zotíssimo ignorante
vir-vos-á a Musa picante
a vós, Padre mentecapto,
de molde como sapato,
e ajustada como um guante.
  
6Outra vez vos não metais
sentir alheios trabalhos,
que dirão, que comeis alhos
galegos, pois vos queimais:
e porque melhor saibais,
que os zotes, de que haveis dor,
são de abatido valor,
vede nos vossos sentidos,
quais serão os defendidos,
sendo vós o defensor.