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Reverendo vigário

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Reverendo vigário,
Que é título de zotes ordinário,
Como sendo tão bobo,
E tendo tão larguíssimas orelhas,
Fogem vossas ovelhas
De vós, como se fôsseis voraz Lobo.
  
O certo é, que sois Pastor danado,
E temo, que se a golpe vem de fouce,
Vos há de cada ovelha dar um couce:
Sirva de exemplo a vosso desalinho,
O que ovelhas têm feito ao Padre Anjinho,
Que por sua tontice, e sua asnia
o tem já embolsado na euxovia;
Porém a vós, que sois fidalgo asneiro,
Temo, que hão de fazer-vos camareiro.
  
Quisestes tosquear o vosso gado,
E saístes do intento tosqueado;
Não vos cai em capelo,
O que o provérbio tantas vezes canta,
Que quem ousadamente se adianta.
Em vez de tosquear fica sem pêlo?
  
Intentastes sangrar toda a comarca,
Mas ela vos sangrou na veia d'arca
Pois ficando faminto, e sem sustento,
Heis de buscar a dente qual jumento
Erva para o jantar, e para a ceia,
E se talvez o campo a escasseia,
Mirrado heis de acabar no campo lhano,
Fazendo quarentena todo o ano:
Mas então poderá vossa porfia
Declarar aos Fregueses cada dia.
  
Sois tão grande velhaco,
Que a pura excomunhão meteis no saco:
Já diz a freguesia,
Que tendes de Saturno a natureza,
Pois os Filhos tratais com tal crueza,
Que os comeis, e roubais, qual uma harpia;
Valha-vos; mas quem digo, que vos valha?
Valha-vos ser um zote, e um canalha:
Mixelo hoje de chispo,
Ontem um passa-aqui do Arcebispo.
Mas oh se Deus a todos nos livrara
De Marão com poder, vilão com vara!
Fábula dos rapazes, e bandarras,
conto do lar, cantiga das guitarras.
  
Enquanto vos não parte algum corisco,
Que talvez vos despreza como cisco,
E fugindo a vileza desse couro,
Vos vai poupando a cortadora espada,
Azagaia amolada,
A veloz seta, o rápido pelouro:
  
Dizei a um confessor dos aprovados,
Vossos torpes pecados,
Que se bem o fazeis, como é preciso
Fareis um dia cousa de juízo:
E uma vez confessado,
Como vos tenha Deus já perdoado,
Todos vos perdoaremos
Os escândalos mil, que de vós temos,
E comendo o suor de vosso rosto
Dareis a Deus prazer, aos homens gosto.