Rimas (Francisco Álvares de Nóbrega)/Prefação
Parece-me digna de offertar ao verdadeiro Amigo huma Obra, em que se desempenha o principal dever do Homem: a Gratidão; huma Obra, que inspira o amor á Virtude, elogiando as almas bemfeitoras, e a applicação ás Lettras, honrando os Sabios.
A Poesia só he inutil, quando se occupa em objectos frivolos, perpetrando paixões infames, e mascarando, por assim dizer, os caprichos do homem licencioso, com as imagens de huma perigosa Eloquência : precisa porém, e apreciavel, quando tende ao seu legitimo fim , e com as vivas cores de huma imaginação fecunda se contém no espaço que lhe dimensa a solida Moral.
O Amor, de que fallo pelo corpo deste Volume, não he essa paixão criminal, que a maior parte dos Compositores tomão para assumpto das suas Obras, mas sim aquelle affecto puro, e ingenuo, que parece ter emanado do seio do Creador para fazer as delicias da Sociedade; este affecto, que sabe bem-aventurar dois corações sem os corromper, unir duas almas sem as desviar da estrada suavissima da Virtude.
Como houverão pessoas, que tomárão por empreza desacreditar-me, figurando-me ingrato aos olhos dos meus compadecidos, mordaz para com os Sugeitos de conhecido merecimento, achei pre ciso dar no presente Volume hum publico testemunho do meu modo de pensar, desonerando o meu credito, tão injustamente trahido.
Se o publico affagar cora a sua acceitação esta Obra, farei imprimir outra, que pede mais alguma reflexão, e tempo: contém Odes, Epistolas, Lyras, Elegias, Cantatas, &c. [1]
Notas
[editar]- ↑ Infelizmente nao teve tempo de a dar á luz.
- Lidei por addiccionar a este Volume composições suas, que me constou andarem dispersas, ou na memória d'algumas pessoas, mas ninguem me pôde, para tal fim, fornecer cousa completa. Alem d'isso ha sempre escrupulo em publicar versos que, não sendo do punho do auctor, ou de quem fielmente os soubesse copiar, pódem andar adulterados, e vir a influir desfavoravelmente na reputação do poeta; podem até deixar de ser da pessoa a quem se attribuem. O tomo 4.° das obras de Bocage, publicadas, em 1812, por José Maria da Costa e Silva, tem versos que não são d'este auctor. Muitos outros exemplos d'estes podéra citar.