Ruínas (Machado de Assis)
No hay pájaros en los nidos de antaño.
Proverbio hespanhol.
Cobrem plantas sem flôr crestados muros;
Range a porta anciã; o chão de pedra
Gemer parece aos pés do inquieto vate.
Ruina é tudo: a casa, a escada, o horto,
Sitios caros da infancia.
Austera moça
Junto ao velho portão o vate aguarda;
Pendem-lhe as tranças soltas
Por sobre as rôxas vestes.
Risos não tem, e em seu magoado gesto
Transluz não sei que dôr occulta aos olhos;
— Dôr que á face não vem, — medrosa e casta,
Intima e funda; — e dos cerrados cilios
Se uma discreta e muda
Lagrima cahe, não murcha a flôr do rosto;
Melancolia tacita e serena,
Que os échos não acorda em seus queixumes,
Respira aquelle rosto. A mão lhe estende
O abatido poeta. Eil-os percorrem
Com tardo passo os relembrados sitios,
Ermos depois que a mão da fria morte
Tantas almas colhera. Desmaiavão,
Nos serros do poente,
As rosas do crepusculo.
«Quem és? pergunta o vate; o sol que foge
«No teu languido olhar um raio deixa;
«— Raio quebrado e frio; — o vento agita
«Timido e frouxo as tuas longas tranças.
«Conhecem-te estas pedras; das ruinas
«Alma errante pareces condemnada
«A contemplar teus insepultos ossos.
«Conhecera-te estas arvores. E eu mesmo
«Sinto não sei que vaga e amortecida
«Lembrança de teu rosto.»
Desceu de todo a noite,
Pelo espaço arrastando o manto escuro
Que a loura Vesper nos seus hombros castos,
Como um diamante, prende. Longas horas
Silenciosas corrêrão. No outro dia,
Quando as vermelhas rosas do oriente
Ao já proximo sol a estrada ornavão,
Das ruinas sahião lentamente
Duas pallidas sombras:
O poeta e a saudade.