Santa Simplicidade
Na serena missão de paz que tu cumpriste
Ó suave Jesus, ó doce galileu,
Que santa singeleza e que perfume triste
Do teu casto perfil no mundo rescendeu!
Havia no teu verbo aquella unção divina
Que a velha harpa de Job soltou nas solidões,
E o bello, o puro sol da antiga Palestina
Suave contornou, de luz, tuas feições!
Compunham-te o cortejo uns pobres pescadores
Almas rectas e sãs; marchavas por teu pé,
E sorrias falando aos rudes e aos pastores,
Sentado nos portaes da pobre Nazareth.
Da tua Galiléa os valles percorrias
Levando um bom quinhão d'affecto a cada lar,
E o grande olhar suave e terno das judias
Turbaste muita vez, de certo, sem pensar!
E mais simples na morte, apenas a tua alma
Transpunha as regiões purissimas do sol,
Tu que havias colhido a immorredoura palma
Não tinhas para o corpo as gallas d'um lençol!
Consola-te ó Jesus! Tu deves já ter visto
Que sobre a terra, agora, ao teu nome fieis,
Os que se dizem ser apostolos de Christo
Não precisam trajar os infimos bureis.
Não maceram seus pés! não vão pobres e rotos
Envoltos na estamenha, apedrejados, sós,
Nos desertos viver de mel e gafanhotos,
Convertendo o gentio ao som da sua voz.
Ante elles, ao contrario, alargam-se os batentes
Dos palacios reaes, nas grandes recepções,
E formam-lhes cortejo os coches reluzentes
Atraz dos quaes se bate um trote d'esquadrões!
Cobrindo-lhes, depois, d'insignias as roupetas,
Afim d'honrar melhor a primitiva fé,
Redobram-se ainda mais as velhas etiquetas;
Polvilham-se melhor os homens da libré!
E dão-se-lhes festins onde ha grandes baixellas,
Fataes scintillações de vinhos e rubins,
Gargantas ideaes, grandes espaduas bellas,
Lampejos de cristaes, insidias de setins!
Oh! temo bem Jesus que tantas pedrarias
Façam peso de mais na barca do Senhor,
Quando é certo que as mãos de Pedro um pouco frias
Mal podem segurar o leme salvador!
Por isso quando avisto o espaço que negreja
E o mar que se encapella, eu temo que ámanhã
Do fendido baixel da tua velha Egreja
Apenas reste, á prôa, uma ficção pagã!