Saudades, que me quereis

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1Saudades, que me quereis,
que tanto me atormentais?
nunca a morte executais,
sempre a morte prometeis?
sem dúvida pretendeis
minha pena ir dilatando,
porque enquanto vou penando
tendes, onde estar vivendo,
e se acaso eu for morrendo,
por força ireis acabando.

2Mas nem por isso a meu ver
matais menos sem matar,
que um contino suspirar
é um perpétuo morrer:
o bem na lembrança ter,
considerá-lo distante,
um receio a cada instante,
um susto a cada acidente
não são provas do vivente,
senão abonos do amante.

3Vós sois, tirana saudade,
sendo a memória instrumento
verdugo do entendimento,
e flagelo da vontade:
acabo na realidade,
respiro nas aparências,
pois com tantas evidências
vosso rigor me desalma,
não despojado de uma alma,
afligido em três potências.

4Oh quanto menor tormento
me deva o perder a vida,
que para dor tão crescida
já não há mais sofrimento:
a pena com tanto alento,
sem alento o coração
parecerá sem razão,
que uma mesma causa ordene,
que viva, para que pene,
e para ter vida não.