Sonhos D'ouro/XXIV
Estamos em junho.
Às onze horas saía Ricardo de seu escritório, já melhor situado, na Rua do Rosário, e dirigia-se à casa da Relação, onde dava audiência a 3.ª Vara Municipal.
Tratava-se de um processo-crime importante: uma falsificação de firma. O negociante, vítima da fraude, tinha procurado Ricardo para incumbi-lo de promover a acusação com energia, pois era mister um exemplo.
Por avanço de honorários deixara-lhe sobre a mesa naquela manhã um conto de réis.
Não era este o primeiro cliente importante que o jovem paulista vira aparecer-lhe de repente. De um lado chegavam propostas, que exigiam para resolvê-las um jurisconsulto, ou pelo menos um provecto advogado. Do outro, minutas de contratos e escrituras. Sentia Ricardo, que seu nome granjeava entre os comerciantes um favor, que não sabia explicar.
Agora mesmo, descendo a Rua do Ouvidor, perscruta ele debalde a causa do conceito que subitamente adquirira como advogado na corte, onde tantos existem e tão ilustres.
Não podia atribuir o fato ao seu mérito, ou à voga artificial que se arranja por meio de anúncios, e até de escândalos. Também não se oferecera para advogado de alguma beneficência estrangeira, com o fim de captar a clientela dos sócios.
Lembrava-se de ter visto muitos desses novos clientes em casa do Soares; e quis supor um instante fosse tudo efeito da amizade de Fábio, que naturalmente falava naquela roda a seu respeito com o entusiasmo do costume.
Mas não tardava em repelir essa suposição. Ricardo tinha experiência e sabia que a palavra sincera e convencida é pedra solta e não edifica neste país; é preciso pôr-lhe um cimento: o medo, a comodidade, o lucro, a paixão, etc.
Quando, fatigado de excogitar em vão, punha o ânimo à larga, espraiando a vista pela Praça de São Francisco de Paula, aonde saía naquele instante, deu com os olhos em Guida. Diante dele acabava de parar uma meia vitória, tirada por duas mulas possantes.
O lacaio, saltando da almofada, em vez de correr a abrir a portinhola, foi tirar questão com o cocheiro de uma diligência, que impedia a vitória de chegar à boca da Rua do Ouvidor.
— Psiu, olá, patrão, deu fundo aí?
— O largo é bem grande, respondeu o outro empoleirado.
— Não vê que é o carro do Sr. Comendador Soares? retorquiu o moleque com a insolência do lacaio de um milionário.
— É melhor que os outros?... Se tem muito dinheiro, guarde-o, que passa-se muito bem sem ele.
— Dobre a língua, sô atrevido, gritou o moleque pronto a saltar-lhe às bochechas.
D. Paulina e a filha debalde chamavam o pajem, receando que a rezinga desse em briga. Guida porém julgou que o mais expedito era descerem ali mesmo, fazendo cessar a causa da altercação e obrigando o lacaio a acompanhá-las.
Reclinou para abrir a portinhola, mas Ricardo antecipara-se:
— É o Dr. Nunes, mamãe!
Apearam-se as duas senhoras e receberam os cumprimentos do moço.
— Ora estimei muito encontrá-lo, disse D. Paulina com a sua habitual singeleza. Quero fazer um presente ao Soares; mas ele não gosta que lhe deem cousas de luxo, que não tenham utilidade. Incomoda-se!
— Acho-lhe razão! disse Ricardo por delicadeza e para mostrar interesse na conversa.
— E eu não lhe acho nenhuma, acudiu Guida voltando-se; um presente é uma lembrança, e não um fornecimento de víveres, roupa ou qualquer outro necessário.
Ricardo fitou a moça para conhecer-lhe pelo rosto se fora sua intenção dar-lhe uma lição de urbanidade; mas ela dobrava distraída o canto da Rua do Ouvidor, deixando sozinha a mãe.
— Disse-me o Bastos que a Notre Dame tem camisas de homem muito bonitas. Quero ver o seu gosto. Vamos, é perto.
Lembrou-se o advogado da inquirição; mas tinha meia hora e o recurso do tílburi. Condescendeu, pois; tanto mais que seria pouco delicado deixar ali só no meio da rua a mulher do banqueiro, sem a filha que desaparecera, e o pajem que ainda grazinava com o cocheiro.
— Com muito prazer, minha senhora, ainda que não me posso demorar muito.
— É um instante!
Entraram na Rua do Ouvidor, onde Guida os esperava.
— Há tanto tempo que o senhor não aparece, sr. doutor; está mal conosco?
— As minhas ocupações, D. Paulina, não me permitem.
— O Sr. Dr. Nunes trabalha muito, mamãe! observou Guida voltando-se.
— Seu amigo gosta mais de se divertir. Como vai ele?... Ah! aqui estão as camisas.
E D. Paulina mostrou a Ricardo a vidraça da Notre Dame, onde se viam as caixas de camisas francesas com toda a sorte de punhos e colarinhos.
A casa da Notre Dame é uma espécie de secretaria da moda fluminense; há naquele ministério do luxo diversas seções, e diretorias, melhor regidas talvez do que a dos correios, dos telégrafos, e outras.
D. Paulina e Ricardo entraram na sala da roupa branca, lingerie; e apesar da condescendência do advogado, disposto a conformar-se plenamente com a escolha de D. Paulina, para mais depressa libertar-se, um quarto de hora foi consumido no cotejo, nas indecisões, e mil rodeios, com que as senhoras costumam deliberar em conselho de estado pleno sobre a magna questão da compra de uma fita, por exemplo.
Durante esse tempo, Guida na próxima repartição, a das sedas, soierie, fazia desmoronar-se, a um aceno da ponteira de seu chapelinho de sol, as rimas de caixas e pacotes, que atopetavam os armários.
Tinha prazer em ver se desdobrarem assim aquelas ondas de seda e veludo; em contemplar as galas da moda, examinar as mais esplêndidas seduções do luxo, e sentir-se calma e indiferente.
— Não me agrada!
Esse dito desdenhoso, o repetia ela de cada vez que afeitavam-lhe diante dos olhos um corte de nobreza rutilando aos toques da luz, os nimbos da tarlatana orvalhados de pingos de cristal, ou os flocos da gaze de Chambery flutuando como nuvens d'ouro.
Debalde os caixeiros excediam-se na lábia francesa, com a qual não compete nem o puff inglês, nem o humbug americano.
Foi impossível excitar na moça a cobiça por qualquer das últimas novidades e fantasias da moda.
— Quero comprar alguma cousa, para não dar-lhes trabalho à toa.
Nesse momento aproximaram-se D. Paulina, e Ricardo que vinha despedir-se.
— Já vai? perguntou a moça com indiferença.
— Se me permite!... Devo achar-me às onze horas na Relação.
— Ah! o senhor já sabe? acudiu a moça pondo-se a contraluz de um rico vestido de gorgorão para ver-lhe o efeito: o Visconde da Aljuba não frequenta mais a nossa casa. Qual acha mais bonito, o azul ou o verde?... Este?... É também o meu gosto.
Voltou-se para o caixeiro:
— Mande-me este a Comaitá.
Depois tornou a Ricardo:
— Como algumas pessoas não gostavam de encontrar-se com ele... por isso lhe previno.
— Eu nunca lhe dei atenção.
— Ah! pensei.
— É verdade, acudiu D. Paulina. O senhor há de jantar conosco sábado. Não falte; promete?
— Terei esse prazer, disse Ricardo.
— Mas olhe que é segredo.
— Ah! é um banquete político?
— É uma conspiração, observou Guida.
Saindo de Notre Dame, não viu Ricardo duas pessoas recostadas no guarda-vidraças de metal dourado.
Eram o Visconde da Aljuba e o Dr. Nogueira, que enfiando os olhos pela vidraça, acompanhavam os movimentos da Guida, fazendo a propósito algumas observações.
— O farsola é capaz de lograr-nos! dizia o visconde designando Ricardo.
— Já lhe tomei o pulso, respondeu o Nogueira com a peculiar jactância: está muito calouro ainda!
— E a sua candidatura, como vai? É uma cousa que havia de ajudá-lo muito.
— As cousas estão bem dispostas, mas sem algum dinheiro...
O visconde pulou à semelhança dum martelinho de piano, quando lhe tocam na tecla:
— Não creia nisso. Eleição, meu doutor, é o governo que a faz; o mais são petas. Quando ele perde, é de propósito para pregar o mono a certos sujeitos. Se o senhor tem o governo por si, deite-se a dormir, não precisa de mais nada; se não o tem, perde seu tempo e seu cobre. É cuidar noutra cousa.
— Não é tanto assim...
Nesse momento saíra Ricardo da loja.
— Chegou a sua vez, disse o visconde ao Nogueira empurrando-o amigavelmente. Vá engambelar a rapariga. Ande, ponha pra fora toda a sabença e desbanque-me o tal bonifrate! Eh! eh!...
E trinando o seu riso em falsete, o Aljuba lá se foi a trote miudinho, rua acima, para o escritório.
Entretanto cismava Ricardo no segredo do jantar para que fora convidado; e dois dias depois, na manhã de sábado, ainda ocupava-se com esse capricho de senhoras, muito inclinado a abster-se do convite, apesar de o haver aceitado por delicadeza.
Achou porém em seu espírito boas razões, que o dispuseram; e às quatro horas da tarde apeava do tílburi no palacete de Botafogo.
A reunião era mais numerosa que de costume. Além dos infalíveis, notava-se grande número de capitalistas e negociantes, a creme da praça. Aí estavam todos os nossos conhecidos, menos o Visconde da Aljuba.
Havia na sala a atmosfera moral que se forma pela expectativa e curiosidade do desconhecido. Os amigos encontrando-se inquiriam da novidade e perdiam-se em conjeturas acerca da reserva com que se tinham feito os convites, do segredo recomendado, e da surpresa que sem dúvida estava preparada para o banquete.
Sintoma bem significativo da importância dessa reunião, que sob a aparência de festa ocultava talvez um acontecimento, era a presença de D. Leonarda Torres, a avó materna de Guida, ou a “avozinha” como a chamava a menina.
A mãe de D. Paulina, velha de sessenta anos, nunca aparecia na sociedade; o defeito de uma perna proveniente de reumatismo gotoso, e o gênio a retinham constantemente em casa.
Nesse dia, Guida conseguira arrancá-la de seu retiro para fazê-la assistir à festa. E o que não obteria a gentil menina da velha, que morria-se de amores por ela?
À chegada de Ricardo, Guida o levou para junto da velha, sentada à parte em uma cadeira de roldanas:
— Avozinha, aqui lhe trago uma pessoa para conversar. É o Dr. Nunes.
— É médico? perguntou a velha.
— Não, respondeu Guida sorrindo-se por adivinhar o pensamento da avó, que era falar de seus achaques. Mas é filho de São Paulo.
— Está bom!
— Fale-lhe de sua terra! disse Guida voltando-se para Ricardo. Ela passou lá muitos anos, quando menina; e ainda tem saudades.
— Ah! morou em São Paulo algum tempo? disse Ricardo. Na capital mesmo?
— No Brás. Não conhece a casa de D. Belmira de Leme Torres?
— Muito; minha família e a sua visitam-se.
— Pois estimo bem. É minha prima.
— Agora, disse Guida alisando os cabelos brancos da velha, não se há de aborrecer mais. Tem quem a distraia; não é assim?
E deixou os dois em conversa.
De todas as pessoas da sala nenhuma estava tão desnorteada, como ficou o Soares que ao voltar do escritório para o jantar caseiro e o repouso da sesta, encontrou o palacete em festa, cheio de amigos com quem decerto não contava achar-se naquele dia.
— Que história é esta? perguntou o banqueiro que tudo levava em ar de brincadeira. Querem ver que o Aljuba espalhou que eu ia pôr-me ao fresco, e vocês pelo seguro vieram cercar-me a casa? Finórios!... Também tu, conselheiro! Vieste agarrar o teu velho camarada!
— Que dizes?... Não vão bem os teus negócios? acudiu o Barros amornando a sua fria e pachorrenta gravidade. Bem sabes que até onde eu puder!...
Soares abraçou-o com efusão, mas logo afogou esse impulso na perene galhofa:
— Estás sonhando, meu velho! Nunca me correram tanto à feição os negócios, como depois que o farsola do visconde me anda a agourar. Tu sabes, praga de urubu... Mas deveras que vieram vocês fazer? Quem os chamou cá?
— É boa! Pois não nos convidaste para jantar!
— Eu! Vocês querem divertir-se.
— Foi o recado que recebemos.
— Hum!... Não passa de invenções da senhora minha filha! Não resta dúvida!
O banqueiro levou o dedo à boca:
— Esperem que vou tenteá-la.
Nisto apareceu Guida:
— Sim senhor, papai, muito bonito! convida a cidade do Rio de Janeiro em peso para jantar, sem prevenir a mamãe, nem dizer a pessoa alguma! Pois isto se faz?
— Hem! estão vendo, vocês! disse o Soares disparando a rir.
— Ora não disfarce, papai. Todos estes senhores receberam seu convite, e com a recomendação de guardar segredo!
— É verdade?
— Então... Mamãe e eu íamos sair, quando começam a chegar convidados. Os senhores hão de ter paciência e desculpar. Um banquete não é um discurso, que se improvisa.
— É pena que não se possa mudar de sexo, Guida. Tu serias o primeiro banqueiro do Rio de Janeiro.
— Esse lugar já está tomado, papai.
— O jantar!... gritou o Daniel na porta.
— Brejeira! murmurou Soares fazendo cócegas nas faces de Guida.
Sentaram-se os convidados à mesa, onde o cozinheiro teve o talento de concentrar os espíritos na mais séria das preocupações da vida àquela hora crítica do jantar. Assim já poucos se lembravam que ali tinham ido para outra cousa que não fosse apreciar a boa mesa do Soares.
— Aposto que está muito curioso de saber o segredo? disse Guida a Ricardo que lhe ficava ao lado.
— Confesso que tenho alguma curiosidade; mas por um motivo que não supõe.
— E se eu adivinhar?
— Tem muitas prendas para que lhe desse mais essa a natureza.
— O senhor suspeita que o segredo é uma brincadeira, um logro.
— Pior do que isso. Antes de ter o prazer de conhecê-la, ouvi falar da anedota de um médico, que se mandou chamar de madrugada a toda a pressa para ver uma cachorrinha.
— Ah! contaram-lhe isso? tornou Guida a rir; mas sem dúvida não disseram que foi uma aposta!
— Em todo o caso...
— Papai duvidou que eu fosse capaz de fazer o doutor ir a um baile ou cousa que se lhe parecesse: eu apostei. Arranjei uma partida em nossa casa, mas com o maior segredo.
— Como o jantar de hoje.
— Tal e qual; às onze horas, quando as salas estavam cheias escrevi ao doutor, em nome de meu pai, a carta chamando-o para ver a minha querida Sofia, que estava gravemente enferma. Ele veio; levou a cousa de brincadeira; e ao retirar-se teve de sair pelas salas, pois não havia outro caminho. Aí as minhas amigas, que já estavam prevenidas, rodearam-no com muitas festas, e tanto fizeram que o velho dançou uma quadrilha para recobrar a liberdade. Eu ganhei a minha aposta e meu pai deu-me Edgard. Bem vê que lucrei com a travessura.
— Já não me admira que faça tantas.
— Fiz; tinha dezesseis anos apenas; é verdade que, se não as faço ainda hoje, não é por falta de vontade, mas por acanhamento. Já tenho dezenove e contudo ainda me sinto menina.
Nesse momento ergueu-se comovido o Barão do Saí.
— Meus senhores, vou fazer um brinde.
Compreenderam todos como por uma repercussão moral que era chegado o momento da explicação; e abriu-se profundo silêncio.
Guida e Clarinha, a filha do barão, trocaram um olhar de inteligência que não passou desapercebido a Ricardo.
O barão propôs a saúde nestes termos:
— Ao meu velho amigo Soares, ao homem honrado que se fez por seu trabalho, e a quem o povo despachou comendador por aclamação, antes que Sua Majestade houvesse por bem nomeá-lo. Aqui está o decreto.
O velho com gesto solene abriu o pergaminho, onde se via uma assinatura de quatro contos de réis; as outras eram bagatela.
Ao mesmo tempo D. Clarinha, a filha do barão, prendia ao peito do Soares a venera da Rosa cravejada de brilhantes.
Patenteou-se o segredo; e as explicações correram ao redor da mesa.
Uma semana havia que no Jornal do Comércio começara a aparecer uma mofina concebida nestes termos:
COMENDADOR CHENCHÉM
Um marreco bem conhecido na praça, por suas especulações e trapaças, assentou de fazer-se comendador de meia-cara. O título “soa” e não custa cinco “res” ou réis.
O banqueiro, quando lhe mostraram o jornal, riu-se:
— São as unhas do tratante do Aljuba... Não resta dúvida.
— É um desaforo! diziam-lhe os amigos.
— Pois eu tomo a cousa às avessas. É uma fineza, que ele me faz diferençando-nos.
Quem mais se incomodou com o caso foi o Barão do Saí, que no maior segredo tratou de comprar a comenda para seu velho amigo, a fim de malograr a vil mofina. D. Paulina e Guida, de combinação com ele, prepararam a surpresa, a cujo desfecho acabamos de assistir.
Muitos dos convivas não se tinham apercebido da mofina, pela indiferença com que passam os olhos por essa arena da imprensa, onde se esgrime, de envolta com ideias e sentimentos nobres, toda a casta de paixão.
Valeu-lhes o Benício, que ninguém jamais apanhou desprevenido.
Submergindo a mão pelas profundezas do bolso, tirou dois ou três retalhinhos de jornal: eram exemplares da mofina que tinha o cuidado de cortar cada dia para apresentá-la cheio de pesar e indignação a quantos encontrava, aproveitando a ocasião para fazer o pomposo elogio de seu íntimo amigo, o Soares, que, isto é dele, “metia no chinelo todos os comendadores havidos e por haver”.
— A mofina?... Querem ver o desaforo?... Aqui está, essa pouca-vergonha! dizia o homem serviçal obsequiando aos vizinhos.
Erguera-se o Soares:
— Meus amigos. Isto nada vale por si, disse com o chasco habitual, pondo o dedo na venera; nada, nem como comenda, nem como joia. Como “comenda”, é uma “encomenda”, que já não “recomenda” ninguém. Como joia, eu tenho no coração do meu velho João, e dos amigos aqui presentes, um diamante de melhor água e quilate do que qualquer destes. Mas a intenção, essa é um tesouro; é a alma de um homem honrado e amigo dedicado.
Sentiu-se que o Soares estava comovido.
— Guida, minha filha, vem cá. Toma esta joia; ela te há de servir de broche. Em teu colo todos hão de admirá-la; e tu podes ter orgulho, minha filha, de adornar-te com a probidade de teu pai!
Guida lançou os braços ao pescoço do Soares.
Romperam os aplausos. A comoção era geral. Havia na reunião a eletricidade moral dos espíritos em ebulição, que só esperam uma centelha, para se inflamarem. A cena aí estava aberta; desenhada a situação; faltava só a palavra eloquente, que a exprimisse.
Algumas vozes proferiram o nome do Dr. Nogueira, como o homem do momento. Ele hesitou: não tinha previsto o lance; podia arriscar a sua reputação; era mais prudente deixar-se ficar na penumbra desdenhosa de seu incontestável talento.
Foi então que Ricardo exaltando-se com aquela cena onde vibravam as cordas mais nobres e generosas do coração, ergueu-se num assomo de entusiasmo, e sua voz sonora, palpitando aos impulsos do sentimento, arrebatou a atenção geral.