Suspiros poéticos e saudades (1865)/A Consolação
Que tens? De que te queixas, desgraçado?
É da Pátria a saudade que te aflige?
São os erros dos homens? São teus erros,
Que pesam sobre ti? És criminoso?
Aborreces a vida? A morte queres?
O qu'hei de eu responder? Não, oh meus lábios,
Não reveleis arcanos de minha alma,
Não crimineis os homens;
Queixas inúteis são; lábios, calai-vos.
A quem não sente o mal, que importa o alheio?
Não; não sou desgraçado. Estas profundas
Dores que me aguilhoam d'alma os seios.
São os sinais de uma lição do mundo.
Sinto a dor, mas sou grato à Providência,
Que destarte me instrui, como mãe terna,
Que só para ensinar o filho pune.
No mais íntimo d'alma o virtuoso
Acha quem o console na desgraça.
Desgraçado, és tu só, tu miserável,
Tu, que não do assassino o punhal temes,
Mas o punhal da própria consciência.
Lei é da Humanidade, e não do acaso;
Sofrer, sempre sofrer é seu destino.
A Natureza o homem bruto cria,
O mundo o aperfeiçoa
Com dores e trabalhos.
Como se brunem com o atrito os seixos
No revolver das ondas,
Ou como no crisol, à chama exposta,
Se purifica a prata,
Destarte, entregue à dor, doma-se o homem.
O templo da verdade o erro escolta,
Armado de punhais, e de flagícios;
E antes que a Humanidade entrever possa
Um claro lume do seu divo rosto,
Ah quantos são primeiro
Tristes vítimas do erro,
Servindo de degraus da luz ao ingresso!
Nossos olhos lancemos ao passado,
E co'o fanal da história descubramos
Quantos martírios nossos pais sofreram.
Tudo o que vemos nada é mais que a luta
Da verdade, e do erro.
A verdade, que herdada hoje gozamos,
Assaz regada foi com sangue humano;
Por nós dezoito séculos lutaram,
E nós pelo porvir lutamos hoje.
Não é fora do mundo,
Engolfado em prazeres que embriagam,
Em brando leito lânguido estendido,
Rodeado de escravas, que o incensam,
Como um rei do Oriente; nem na mesa
De esplêndido banquete, qual Lúculo,
Que se colhem lições da experiência.
Não; engana-se aquele, que Epicuro
Mal interpreta, e diz: Eia, gozemos;
A vida no prazer cifra-se toda.
É nos cárceres só, é nos perigos,
Quando ao exílio marcha o justo Aristides,
Quando Homero chorado pão esmola,
Quando no cárcer galileu medita,
Quando do trono avito um rei baqueia;
A experiência então a voz levanta:
Sólon, Sólon, Sólon, bem mo dizias!
Do passado a lembrança é morta idéia;
A experiência só, a experiência,
Dura, severa mestra,
Por caminhos de dores, entre espinhos,
Guia o incerto passo
Do mortal que viaja sobre a terra.
A dor é da verdade companheira;
Quem busca a experiência, a dor encontra.
Por que pois lamentar se a dor é útil?
Se ela é núncia de um mal, de que nos cumpre
Fugir, ou evitar assaltos novos?
O fogo que ao infante o dedo queima,
A refletir o ensina, enquanto os mimos
Da terna mãe mil vezes o corrompem.
Oh desgraçado aquele
Que jamais suportou uma só mágoa,
E que de gozo em gozo vê seus dias
Correr tranqüilamente;
Como a flor nasce, e morre,
Mas como a flor também nada conhece;
Existe, mas não vive,
Que é, sem dor, o prazer uma quimera.
Para vermos a luz, que ânsias, que dores
Não sofrem nossas mães? Mas nesse instante
As dores maternais, nascendo, herdamos.
Glória, fama, saber dores nos custam;
Até o último expiro a dor nos segue;
E quem sabe se à dor põe termo a morte?
Como é feliz aquele que levanta
Seu espírito a Deus, e com fé pura,
No meio da tormenta,
Que o mundo sem cessar contra nós arma,
Do céu auxílio espera,
Enquanto sem conforto, entregue à raiva,
Blasfema o ímpio contra Deus, e os homens.
Feliz quem assoberba a iníqua sorte;
E, para o consolar, acha a virtude,
Que benéfica brilha,
Como em negra soidão plácido lume
Alma esperança gera, prometendo
Asilo ao peregrino afadigado.
Feliz, feliz mil vezes, quem tranqüilo
Não ouve o apuridar da consciência,
E um só crime exprobrar-lhe!
E no leito da paz, ou na masmorra,
Não vê punhais em sonhos, nem fantasmas.
Mesmo quando os ruins dores lhe causem,
Como Guatemosino atado, e posto
Sobre estendidas, chamejantes brasas,
Com os olhos no céu, sereno exclama:
Num leito estou de rosas!
Entre afiadas rodas, açoutado
Com lâminas de ferro;
Na cadeia, no circo, e na fogueira,
Ou alvo da calúnia,
O justo não stá só, Deus é com ele.
Cadeias, circo, infâmia, fogo, e morte,
Tudo supera o justo.
Como as nuvens pejadas de vapores
Exalados da terra
Do coruscante sol a face cobrem,
E por um pouco a Natureza enlutam;
Mas depois da tremenda tempestade,
De mais belo cetim o céu se arreia,
E o sol raios dardeja mais brilhantes,
Assim depois da angústia, e da calúnia
A inocência triunfa acrisolada.
Ah! não nos lamentemos;
Que quanto mais se sofre mais se alcança.
A dor só para o iníquo é um tormento.
De Zeno as leis seguindo,
Como se a não sentíssemos, vivamos;
Deus existe, e nos vê; Deus só nos julga.
Paris, 5 de setembro de1834