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Til/IV/VII

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Rolos de chamas envoltas em denso bulcão de fumo subiam aos ares.

A casa das Palmas e suas dependências, vistas de longe, pareciam submersas em um turbilhão de fogo, que surgia das entranhas da terra e convolvia-se pelo negrume do espaço.

Açoitada pelo vento, a labareda estorcendo-se e rabiando, rugia de sanha; ou sufocada um instante pelas abóbadas de fumaça e pelas camadas de palhiço, troava como um canhão, arrojando-se às nuvens.

De instante a instante ouvia-se uma descarga de fuzilaria, correndo ao longo daquela faixa incendiada que figurava a ala de um exército em renhida batalha. Eram os gomos das canas, que estalavam ao intenso calor do fogo.

Com os sibilos da labareda enroscada no ar, confundiam-se os silvos das cascavéis e jararacas, que surpreendidas pelo incêndio, arremessavam-se furiosas contra o fogo e rompiam estortegando pelo campo abrasado.

As aves noturnas deslumbradas com o súbito clarão, fugiam soltando guinchos de terror, enquanto as feras, insufladas pelo instinto da desolação, uivavam no fundo da floresta e trotavam ligeiras para arrebatarem a presa ao incêndio e se abeberarem de sangue.

Medonho espetáculo!

O incêndio crescia com tal velocidade, que parecia uma catarata de fogo, a inundar o espaço, ameaçando comunicar-se à floresta, e submergir a terra em um pélago de chamas.

Do seio daquele surdo rumor produzido pelo ressolho da labareda, se desprendeu e reboou ao longe um grito soturno; mugir da turba espavorida antes as tremendas convulsões da natureza.

— Fogo!... fogo!... fogo!...

Correndo à janela e abrindo-a outra vez, Luís Galvão recuou espantado com a viva claridade, que o incêndio projetava sobre o terreiro e que lhe ferira os olhos.

Foi rápido, porém, o deslumbramento. Debruçando-se no peitoril e descobrindo o foco do incêndio que vomitava labaredas como a cratera de um vulcão, o fazendeiro compenetrou-se imediatamente da realidade.

— O que é? perguntou D. Ermelinda, que parara aterrada no meio do aposento.

— Fogo no canavial.

Atirada esta resposta à mulher, Luís Galvão saltou no terreiro e deitou a correr para as plantações, lançando aos brados aquelas mesmas palavras, como aviso aos feitores e gente da fazenda.

À exceção de alguns escravos fechados na senzala, a quem o clarão despertara, estavam os mais ferrados no sono profundo, que sucedera mui naturalmente ao cansaço dos folguedos de São João e às libações copiosas.

Assim, já Luís Galvão passara a tronqueira da roça que o administrador, ainda tonto de sono, babatava à busca das chaves da senzala para soltar a gente; e os feitores, acordados de sobressalto, se olhavam estupefatos, sem consciência do que estava passando.

O fazendeiro lançou-se na direção do incêndio, pensando que toda a gente da fazenda não tardaria a segui-lo, e ansioso por avaliar da intensidade do fogo como de sua marcha. Lembrara-se que o tanque ficava sobranceiro ao canavial, a arrombando-o podia arrojar sobre o foco do incêndio uma formidável manga d’água que o extinguisse.

Enganara-se, porém, Galvão. Apenas lhe iam no encalço, mas agachados e esgueirando-se por entre a folhagem os dois vultos de Faustino e Monjolo, impaciente de assistirem à catástrofe, e verem consumado o crime de que dependia a satisfação de seus desejos.

Ainda desta vez Monjolo tinha amiúde ímpetos de atirar-se ao pajem, e cravar-lhe o quicé no coração; sobretudo quando lembrava-se que Barroso prometera àquele a liberdade e posse de Rosa.

Mas continha-se; e não por escrúpulo, mas por um requinte de crueldade.

Só, na alcova onde a tinha deixado o marido, D. Ermelinda transida de susto com o anúncio do incêndio, arrastou-se afinal para a escada do mirante; ao tempo em que já a filha despertada pelo rumor a procurava, e Afonso arrancado ao sono ganhava terreiro para acudir ao que fosse preciso.

— Onde está meu pai? perguntou ele.

— Lá, no canavial, Afonso! Corre, meu filho!...

Estimulando o mancebo com esta prece ansiada, acompanhava a senhora com olhar ardente o vulto do marido, que chegava ao canto do carreador e destacava-se na zona abrasada que o incêndio projetava em torno.

Tinha-se já arremessado avante o mancebo, quando estacou de súbito, ouvindo um grito de angústia que partia do mirante. Voltou-se e não viu mais D. Ermelinda.

— Minha mãe! O que é?

— Acuda, mano! clamava Linda com voz dilacerante.

Um reflexo da labareda mostrou rapidamente ao moço, no muro do mirante, a figura transtornada da irmã, que apontava para o canavial, arcando contra o parapeito como se quisesse precipitar-se. Mas antes que o vislumbre da chama passasse, abateu-se aquela sombra.

Chorava a filha sobre o corpo inanimado da mãe.

Desmaiara D. Ermelinda ao ver, no canavial, surgir da sobra um homem, que, brandindo um cacete sobre a cabeça de Luís Galvão, o prostrou ao chão como um corpo morto.

Era o Gonçalo Suçuarana.