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Tratado da Terra do Brasil/II/III

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Há nestas partes do Brasil seis meses de verão e seis de inverno: os de verão são de setembro até fevereiro, os de inverno de março até agosto. Assim que quando nesta província do Brasil é inverno cá nestes Reinos é verão, e os dias quase sempre são tamanhos como as noites, uma hora somente crescem e minguam. Cursam sempre ventos gerais, no inverno seis meses sul e sueste, no verão nordeste. Sempre correm as águas com o vento por costa, e por isso se não pode navegar de umas capitanias pera outras se não esperarem por monções para irem com as águas e com o vento, porque cursam como digo seis meses duma parte e seis doutra, e portanto são muitas vezes as viagens vagarosas, e quando vão contra tempo as embarcações correm muito risco, arribam as mais das vezes ao porto donde saíram. Mete-se no meio e na força deste verão, oito dias ante os Santos, uma tormenta de vento sul que dura uma semana, este é mui certo e geral, nunca se acha que naqueles dias faltasse. Muitas embarcações esperam por este vento e fazem com ele suas viagens. Esta terra sempre é quente quase tanto no inverno como no verão. A viração do vento geral entra ao meio-dia pouco mais ou menos, é tão fresco este vento e tão frio que não se sente mais calma, e ficam recreados os corpos das pessoas.

Dura este vento do mar até de madrugada, torna dali a calmar outra vez por causa dos vapores da terra que o apagam e quando amanhece está o céu todo coberto de nuvens e as mais das manhãs chove nestas partes e a terra fica toda coberta de névoa, porque tem muitos arvoredos e chama a si todos estes humores. E tanto que este geral acalma começa a ventar da terra um vento brando que nela se gera, até que o Sol com sua quentura o torna apagar e alimpa tudo outra vez e faz ficar o dia claro e sereno, entra logo o vento do mar acostumado. Este vento da terra é mui perigoso e doentio; e se acerta de permanecer alguns dias, morre muita gente assim portugueses como índios da terra; mas quer Nosso Senhor que aconteça isto poucas vezes; e tirado este mal, é esta terra mui salutífera e de bons ares, onde as pessoas se acham bem dispostas e vivem muitos anos, principalmente os velhos têm melhor disposição e parecem que tornam a renovar, e por isso alguns se não querem tornar às suas pátrias, temendo que nelas se lhes ofereça a morte mais cedo. Os ares de pela manhã são mui frescos e sadios; muitas pessoas se costumam alevantar cedo por que se aproveitem deles enquanto têm esta virtude. A terra em si é lassa e desleixada; acham-se nela os homens algum tanto fracos e minguados das forças que possuem cá neste Reino por respeito da quentura e dos mantimentos que nela usam, isto é, enquanto as pessoas são novas na terra, mas depois que por tempo se acostumam ficam tão rijos e bem dispostos como se aquela terra fora sua mesma pátria. Manda-se dar nesta terra aos enfermos carne de porco, pera qualquer doença é proveitosa, e não faz mal a nenhuma pessoa; o peixe também tem a mesma qualidade e põe muita sustância aos doentes. Esta terra é mui fértil e viçosa, toda coberta de altíssimos e frondosos arvoredos, permanece sempre a verdura nela inverno e verão; isto causa chover-lhe muitas vezes e não haver frio que ofenda ao que produz a terra. Há por baixo destes arvoredos grande mato e mui basto e de tal maneira está escuro e cerrado em partes que nunca participa o chão da quentura nem da claridade do sol, e assim está sempre úmido e minando água de si. As águas que na terra se bebem são mui sadias e saborosas, por muita que se beba não prejudica a saúde da pessoa, a mais dela se torna logo a suar e fica o corpo desalivado e são. Finalmente que esta terra tão deleitosa e temperada que nunca nela se sente frio nem quentura sobeja.