Tratado da Terra do Brasil/II/IX

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Posto que minha tenção não era tratar neste Sumário senão das cousas que são gerais por toda a costa do Brasil, de que os moradores da terra participam, pareceu-me também necessário e conveniente aos louvores da terra denunciar neste capítulo a riqueza dos metais que afirmam haver por ela dentro, provado tudo isto com pessoas que o acharam, viram, e experimentaram: e a maneira como se descobriu foi esta que se segue.

A esta Capitania de Porto Seguro chegaram certos índios do sertão a dar novas dumas pedras verdes que havia numa serra muitas léguas pela terra dentro, e traziam algumas delas por amostra, as quais eram esmeraldas, mas não de muito preço. E os mesmos índios diziam que daquelas havia muitas, e que esta serra era muito formosa e resplandecente. Tanto que os moradores desta capitania disto foram certificados, fizeram-se prestes cinqüenta ou sessenta portugueses com alguns índios da terra e partiram pelo sertão dentro com determinação de chegar a esta serra onde estas pedras estavam. Ia por capitão desta gente um Martim Carvalho, que agora é morador da Bahia de Todos os Santos; entraram pela terra algumas duzentas e vinte léguas, onde as mais das serras que acharam e viram eram de muito fino cristal e toda a terra em si muito fragosa, e outras muitas serras de uma terra azulada, nas quais afirmaram haver muito ouro, porque indo eles por15 entre duas serras, desta maneira foram dar num ribeiro que pelo pé duma delas descia, no qual acharam entre a areia uns grãos miúdos amarelos, os quais alguns homens apalparam com os dentes e acharam-nos brandos, mas não se desfaziam. Finalmente que todos assentaram ser aquilo ouro nem podia ser outro metal, pois o mesmo ouro desta maneira nasce nas partes onde o há. Apanharam destes grãos entre a areia do ribeiro quantidade dum punhado, os quais acharam muito pesados, que também era prova de ser ouro: disto não fizeram mais16 experiência por ser aquilo no deserto e haver muitos dias que padeciam grande fome nem comiam outra cousa senão semente de ervas, e alguma cobra que matavam: passaram adiante determinando a vinda tornar por ali apercebidos de mantimentos para buscarem a serra mais devagar, donde aquele ouro descia ao ribeiro. Acharam pelos matos muita canafístula, e por este caminho acharam outros muitos metais que não conheceram, nem podiam esperar pelas guerras dos índios que se alevantaram contra eles. Alguns índios lhes deram notícia segundo a menção que faziam que podiam estar cem léguas da serra das pedras verdes que iam buscar, e que não havia muito dali ao Peru, finalmente que com os amigos que recreciam e pela gente que adoecia tornaram-se outra vez em almadias por um rio que se chama Cricaré, onde se perdeu numa cachoeira a canoa em que vinham os grãos de ouro que traziam pera mostra. Nesta viagem gastaram oito meses, e assim desbaratados chegaram a esta Capitania de Porto Seguro.

Os que deste perigo escaparam afirmaram haver naquelas partes muito ouro, segundo as mostras e os sinais que acharam. E se lá tornar gente apercebida como convém, com toda a provisão necessária, e levarem pessoas que disto conheçam, dizem que se descobrirão nesta terra grandes minas.

Quisera escrever mais miudamente das particularidades desta província do Brasil, mas por que satisfizesse a todos com brevidade guardei-me de ser comprido; posto que os louvores da terra pedissem outro livro mais copioso e de maior volume, onde se compreendessem por extenso as excelências e diversidades das cousas que há nela para remédio e proveito dos homens que lá forem viver. E porque a felicidade e aumento desta província consiste em ser povoada de muita gente, não havia de haver pessoa pobre nestes reinos que não fosse viver a estas partes com favor de S. A. onde os homens vivem todos abastados, e fora das necessidades que cá padecem. E desta maneira permitirá Deus que floresça tanto a terra desta nova Lusitânia, que com ela se aumente muito a Coroa destes reinos, e seja dos outros invejada para que não desejemos terras estranhas; prometendo esta nossa tanta riqueza e prosperidade aos que a forem buscar para seu remédio.