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Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira/Capítulo 7

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As primeiras eleições
com urna eletrônica

”A grande revolução que foi o voto eletrônico”, como classifica o Ministro Sepúlveda Pertence, virou realidade a partir de 1995. O Ministro Carlos Velloso explicou no programa Memórias da Democracia que seu principal objetivo era eliminar a fraude no processo eleitoral. “Pertence e eu assumimos um compromisso: afastar a mão humana da apuração”, diz. E a solução foi criar o sistema de voto eletrônico: “uma urna eletrônica, um pequeno computador que pudesse processar eletronicamente os votos, com rapidez, com a maior segurança, propiciando, então, uma apuração rápida.”

Em 1996, foram realizadas as primeiras eleições com utilização das urnas eletrônicas. A Lei 9.100, de 29 de setembro de 1995, estabeleceu as normas para a realização das eleições municipais, realizadas em 3 de outubro de 1996.

Foram mais de 32 milhões de brasileiros, um terço do eleitorado da época, votando por meio das mais de 70 mil urnas eletrônicas, produzidas para aquelas eleições. Participaram 57 cidades com mais de 200 mil eleitores, entre elas, 26 capitais. O Distrito Federal não participou por não eleger prefeito. “As urnas foram distribuídas a tempo e modo por aviões da Força Aérea Brasileira”, contou o Ministro Velloso.

Uma semana antes do primeiro turno dessas eleições, o então presidente do TSE, Ministro Marco Aurélio, afirmou: ”a Justiça Eleitoral tem razões de sobra para acreditar que o eleitor não enfrentará dificuldades para votar no novo sistema. A máquina desenvolvida é muito simples e foi submetida aos mais exaustivos testes”. A declaração foi dada num artigo do próprio Ministro, divulgado pela imprensa no dia 29 de setembro de 1996.

Ele registrou ainda que, do sucesso da inovação, dependia a extensão do voto informatizado à totalidade do eleitorado brasileiro. ”O primeiro passo está sendo dado. A Justiça Eleitoral cumpre o seu papel, confiante de que tem o endosso de todas as forças políticas do país na busca do objetivo maior: o aprimoramento constante da democracia.”

Tão solicitada por alguns grupos em 2020, a impressão do voto já esteve presente nas eleições. A primeira urna projetada possuía um módulo impressor do voto. Após a confirmação do voto pelo eleitor, a urna imprimia o voto e depositava numa urna acoplada à eletrônica.

”Nessa experiência se verificou um grande problema: a urna é um dispositivo eletrônico, com componentes eletrônicos, o módulo impressor é um componente eletromecânico. Sabe-se muito bem que um componente eletromecânico falha muito mais que um componente eletrônico, ou seja, a ferramenta que vai auditar falha muito mais que a ferramenta que será auditada. Já tem um erro básico, né, de projeto. Isso é potencializado pela logística do Brasil. A urna viaja milhares e milhares de quilômetros, passando por variação de temperatura, variação de umidade, salinidade, poeira e principalmente, recebendo muito impacto.

O que acontecia na prática? A urna chegava no local de votação, numa aldeia indígena, por exemplo, e a impressora falhava porque ela já passou por tanta adversidade, o papel inchou, a bobina desenrolou, a engrenagem que faz girar a bobina desconectou... então, não funcionava”, explicou Giuseppe Janino.

A decisão pela impressão do voto, na época, se deu para uma possível conferência posterior. Porém, a urna eletrônica desempenhou sua função com excelência, sem apresentar qualquer problema no registro ou contabilização dos votos. Após essa experiência, as urnas seguintes foram projetadas sem a impressão do voto.

Noite do Terror

Paulo Nakaya relatou um problema que tiveram com uma das primeiras urnas. Ele não se recorda se o ocorrido foi nas eleições de 1996 ou nas eleições de 1998, mas se lembra bem da dificuldade enfrentada.

Numa noite, quatro dias antes das eleições e com as urnas todas prontas, Nakaya descobriu um erro nos disquetes que gravavam o boletim de urna, o resultado da votação de cada uma das urnas.

“Por questão de segurança, o disquete embaralhava os arquivos dentro dele. Se alguém pegasse o disquete e tentasse ler, não ia entender nada, era tudo embaralhado.

Nesse embaralhamento, alguém comeu bola, e só conseguia desembaralhar direito até 64 kB, depois disso, ficava esquisito.

Eu estava no TSE sozinho; Toné, Hashioka, a turma toda já tinha ido embora.

Quando descobri isso, botei a mão na cabeça e falei: e agora?”

Nakaya telefonou para a equipe responsável pelo software e disse: “eu quero todo mundo amanhã cedo aqui na minha sala para trabalhar sob os meus cuidados”.

No dia seguinte, lá estavam eles, prontos para mais um desafio e, dessa vez, em tempo recorde.

”O que eles gastaram um mês para fazer, refizeram numa noite. Corrigiram o problema”. contou Nakaya.

No TSE, essa noite ficou conhecida como Noite do Terror.


Outro problema de software

Um pouco antes de uma das eleições, quando o sistema todo estava configurado para ser encaminhado para distribuição e uma parte até já havia sido distribuída para as localidades mais distantes, foi detectado um problema no software. O software 'travava'e a urna não funcionava mais. A única saída seria votar em papel.

Levamos ao nosso superior e perguntamos: a gente leva para o Ministro ou não? Ele disse: é melhor não, porque, se levar, ele terá um infarto fulminante!”, conta Catsumi.

Não havia tempo hábil para substituir o software, pois boa parte das urnas já havia sido lacrada e distribuída. O prazo para distribuição das urnas é algo que precisa ser muito respeitado. Qualquer atraso pode prejudicar a realização da votação.

O Paulo Nakaya coordenou a logística e fico muito admirado com o trabalho que ele fez. Até o Exército fica admirado, porque Justiça Eleitoral consegue chegar em 15 dias em qualquer lugar do Brasil, para levar e trazer informações. O Amazonas, que tem a logística mais complexa, é um dos primeiros estados a fechar as eleições. Então, esse prazo de logística tem que ser respeitado. E pensei: como vou resolver esse problema?”, relatou Catsumi.

Como já era costume, passaram algumas noites em claro, tentando descobrir como resolver o problema detectado.

Durante a realização dos testes foi descoberto que o software não apresentaria nenhum tipo de problema se os mesários, no local de votação, seguissem exatamente os procedimentos relatados no manual de instruções que recebem para fazer as eleições, uma cartilha obrigatória no local de votação.

Acionaram outra parte da equipe, o pessoal de comunicações e treinamento.

Catsumi conta que as pessoas responsáveis pela comunicação com os TREs enviaram uma mensagem muito direta, solicitando a colaboração de todos: “essa é a eleição mais importante até hoje, por isso não façam nada que não esteja previsto na cartilha. Sigam as orientações da cartilha à risca. Assim vocês vão colaborar para a gente ter a melhor eleição desse país.

E todos seguiram. A única segurança que nós tínhamos é que se todos seguissem a cartilha não iria ter nenhum problema, a falha não seria ativada.

A questão da segurança da urna é de todos.

As histórias relatadas demonstram como a equipe do TSE e das empresas contratadas estão prontas para a resolução de qualquer intercorrência que possa haver no processo eleitoral e manter as eleições brasileiras seguras.

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