Ubirajara/IV
Na entrada do vale ergue-se a grande taba dos tocantins. É a hora em que as sombras abraçam os troncos das árvores e o sol descansa em meio da carreira.
A floresta emudece e todos os viventes se abrigam da calma que abrasa.
Ubirajara deixa o escuro da mata e caminha para a grande taba dos tocantins.>
Quando chegou à distância do tiro de uma flecha despedida pelo mais robusto guerreiro, tocou a inúbia.
O guerreiro de vigia respondeu; e o chefe araguaia, quebrando a seta, alçou a mão direita para mostrar a senha da paz.
Então avançou para a taba; na entrada da caiçara que cercava o campo dos tocantins, atirou ao chão a seta partida.
Os guerreiros que tinham acudido ao som da inúbia, deixaram passar o estrangeiro sem inquirir donde vinha, nem o que trouxera.
Era este o costume herdado de seus maiores; que o hóspede mandava na taba aonde Tupã o conduzia.
Ubirajara passou entre os guerreiros e dirigiu-se à cabana mais alta que ficava no centro da ocara.
A figura do tucano, feita de barro pintado, e colocada em cima da porta, dizia que era ali a cabana do grande chefe. Mas Ubirajara já o sabia; pois antes de penetrar na taba, subira à grimpa do mais alto cedro da floresta para conhecer o sítio onde habitava Araci, a estrela do dia.
A cabana estava deserta naquele instante, mas ouvia-se a fala das mulheres que trabalhavam no terreiro.
Ubirajara transpôs o limiar e, levantando a voz, disse:
- O estrangeiro chegou.
Acudiram as mulheres e conduziram Ubirajara à presença do grande chefe dos tocantins.
Itaquê passava as horas da ardente calma à sombra da frondosa gameleira, que podia abrigar cem guerreiros embaixo de sua rama.
Repousando dos combates, o formidável guerreiro não desdenhava as artes da paz em que era tão consumado como nas batalhas.
Assim honrava as fadigas da taba, dando o exemplo do trabalho à família de que era pai, e à nação de que era chefe.
Nesse momento as mulheres colocadas em duas filas, com as mãos erguidas, urdiam os fios de algodão, passados pelos dedos abertos em forma de pente. Itaquê manejava a lançadeira, tão destro como na peleja vibrava o tacape. Sua mão ligeira tramava a teia de uma rede, que entretecia das penes douradas do galo-da-serra.
Quando chegou Ubirajara, o grande chefe dos tocantins, depois de ter rematado a urdidura, entregou a lançadeira ao guerreiro Pirajá que estava a seu lado, e veio ao encontro do hóspede.
- O estrangeiro veio à cabana de Itaquê, grande chefe da nação tocantim; disse Ubirajara.
- Bem-vindo é o estrangeiro à cabana de Itaquê, grande chefe da nação tocantim.
Então o tuxava voltou-se para Jacamim, a mãe de seus filhos.
- Jacamim, prepara o cachimbo do grande chefe, pare que ele e o estrangeiro troquem a fumaça da hospitalidade.
Os mensageiros já corriam pela taba, avisando os guerreiros moacaras da vinda do hóspede à cabana de Itaquê.
Os moacaras, revestidos de seus ornatos de festa, se encaminharam com o passo grave à oca principal, a fim de honrar o hóspede do grande chefe da nação tocantim.
Ali chegados, cada um dirigiu ao estrangeiro a pergunta da hospitalidade e deu-lhe a boa-vinda.
Depois que Itaquê ofereceu a Ubirajara o cachimbo da paz, e com ele trocou a fumaça da hospitalidade, os cantores entoaram a saudação da chegada.
"O hóspede é mensageiro de Tupã. Ele traz a alegria à cabana; e quando parte, leva consigo a fama do guerreiro que teve a fortuna de o acolher.
Nas tabas por onde passe, e na terra de seus pais, ele conta aos velhos, que depois ensinam aos moços, as proezas dos heróis que viu em seu caminho, e de quem recebeu o abraço da paz.
O hóspede é mensageiro de Tupã. Ele traz consigo a sabedoria; na cabana do guerreiro, que tem a fortuna de o acolher, todos o escutam com respeito.
Em suas palavras prudentes, os anciões da taba aprendem, para ensinar aos moços, os costumes dos outros povos, as façanhas de guerras desconhecidas por eles, e as artes da paz, que o estrangeiro viu em suas viagens.
O hóspede é mensageiro de Tupã. O primeiro que apareceu na taba dos avós da nação tocantim, foi Sumé, que veio donde a terra começa e caminhou pare onde a terra acaba.
Dele aprenderam as nações a plantar a mandioca para fazer a farinha; e a tirar do caju e do ananás o generoso cauim, que alegra o coração do guerreiro.
O hóspede é mensageiro de Tupã. Quando o estrangeiro entra na cabana, o guerreiro que tem a fortuna de o acolher, não sabe se ele é um chefe ilustre ou o grande Sumé que volta de sua viagem.
O sábio ensina, por onde passa, os segredos da paz, e o herói, as façanhas da guerra; mas ambos deixam na cabana da hospitalidade, a glória de ter abrigado um grande varão.
O hóspede é mensageiro de Tupã. Por seu caminho vai deixando a abundância e a festa; depois do banquete da boa-vinda, as árvores vergam com os frutos e a caça não cabe na floresta.
A cabana, que fecha a porta ao hóspede, o vento a arranca, o fogo do céu a abrasa. O guerreiro que não se alegra com a chegada do hóspede, vê murchar ao redor de si a esposa, os filhos, as mulheres e as roças que ele plantou.
Bem-vindo seja o estrangeiro na cabana de Itaquê, o grande chefe da nação tocantim, que teve a glória de ser escolhido pelo hóspede.
Os guerreiros exultam com a honra de seu chefe, e os cantores te saúdam, mensageiro de Tupã.”
Enquanto na cabana ressoa o canto da boa-vinda, Jacamim, a esposa de Itaquê, chamou as amantes do marido, sues servas, pare ajudá-la a preparar o banquete da hospitalidade.
As servas pressurosas estenderam à sombra da gameleira as alvas esteiras de palmas entrançadas de airi; e colocaram sobre elas os urus cheios de farinha-d'água.
Trouxeram também os camucins rasos, onde se apinhavam as moquecas envoltas em folhas de banana, e peças de carne, assada no biaribi, que ainda fumegava nos pratos feitos de concha de tartaruga.
Depois suspenderam a caça mais volumosa, veados e antas, assim como as igaçabas de cauim, nos ramos inclinados da árvore, em altura que o braço do guerreiro pudesse alcançar.
Frutas de várias espécies, pencas douradas de bananas, cachos roxos de açaí, os rubros croás e os fragrantes abacaxis, enchiam o jirau levantado no meio do terreiro.
Jacamim conduzira o hóspede à sombra da gameleira, onde o esperava o banquete da chegada.
Ao lado de Ubirajara sentou-se Itaquê e depois os moacaras que tinham vindo para a festa da hospitalidade.
Os guerreiros comeram em silêncio. As mulheres diligentes os serviam, enchendo de vinho de caju e ananás as largas cumbucas, tintas com a pasta do crajuru que dá o mais brilhante carmim.
Quando o hóspede, depois de satisfeito o apetite, lavou o rosto e as mãos, Jacamim ordenou às servas que recolhessem os restos das provisões, e retirou-se com elas.
Também afastaram-se os jovens guerreiros, que ainda não tinham voz no conselho. Só ficaram sentados com o hóspede, Itaquê, e os moacaras, senhores das cabanas.
O cachimbo do grande chefe passou de mão em mão e cada ancião bebeu a fumaça da erva de Tupã, que inspira a prudência no carbeto.
Então disse o chefe:
- Itaquê deseja dar a seu hóspede um nome que lhe agrade; e precisa que o ajude a sabedoria dos anciões.
A lei da hospitalidade não consentia que se perguntasse o nome ao estrangeiro que chegava, nem que se indagasse de sua nação.
Talvez fosse um inimigo; e o hóspede não devia encontrar na cabana onde se acolhia, senão a paz e a amizade.
O chefe, que tinha a fortuna de receber o viajante, escolhia o nome de que ele devia usar enquanto permanecia na cabana hospedeira.
Foi Ipê quem primeiro falou:
- Tu chamarás ao hóspede Jutaí, porque sua cabeça domina o cocar dos mais fortes guerreiros, como a copa do grande pinheiro aparece por cima da mata.
Disse Tapir:
- Chama ao hóspede Boitatá, porque ele tem os olhos da grande serpente de fogo, que voa como o raio de Tupã.
Os moacaras, cada um por sua vez, falaram; e como a voz começava do mais moço para acabar no mais velho, as últimas falas eram menos guerreiras e traziam a prudência da idade.
Assim Caraúba, que era o segundo antes do chefe, disse:
- Itaquê, o hóspede é o núncio da paz. Tu deves chamá-lo Jutorib, porque ele trouxe a alegria à tua cabana.
Guaribu, cujos anos enchiam a corda de sua existência de mais nós, do que tem o velho cipó da floresta, falou por último.
- O viajante é senhor na terra que ele pisa como hóspede e amigo; e o nome é a honra do varão ilustre, porque narra sua sabedoria. Pergunta ao estrangeiro como ele quer ser chamado na taba dos tocantins.
- Bem dito!
Itaquê, aprovando as palavras prudentes do ancião, perguntou a Ubirajara que nome escolhia; este lhe respondeu:.
- Eu sou aquele que veio trazido pela luz do céu. Chama-me Jurandir.
Nesse momento, Araci, a estrela do dia, apareceu por entre as palmeiras e caminhou para a cabana.
Os mais valentes entre os jovens guerreiros tocantins acompanhavam a formosa caçadora. Eram os servos do amor, que disputavam a beleza da virgem.
Os cantores saudaram de novo o hóspede pelo nome que ele escolhera.
- Tu és aquele que veio trazido pela luz do céu. Nós te chamaremos Jurandir; para que te alegres ouvindo o nome de tua escolha.
"Tu és aquele que veio trazido pela luz do céu. Nós te chamaremos Jurandir; e o nome de tua escolha alegrará o ouvido dos guerreiros. "
De longe Araci viu o estrangeiro, sentado entre os anciões, como o frondoso jacarandá no meio dos velhos troncos das aroeiras.
A virgem reconheceu logo o caçador araguaia e adivinhou que ele viera à cabana de Itaquê para disputar sua beleza aos guerreiros tocantins.
O coração de Araci encheu-se de alegria. Seus negros cabelos estremeceram de contentamento, como as penas da jaçan quando pressente o formoso inverno.
O estrangeiro não queria ser conhecido; pois deixara o cocar das plumas da arara, que eram o ornato guerreiro de sua nação. Mas a imagem do jovem caçador ficara na lembrança da virgem, como fica na terra a verde folhagem, depois da lua das águas.
A lei da hospitalidade proibia à virgem revelar o segredo do estrangeiro, só dela sabido. Nesse momento foi à sua alma que obedeceu e não ao costume da nação.
Quando Araci chegou ao terreiro, os anciões se preparavam para ouvir a maranduba do hóspede. Os guerreiros e as mulheres escutavam em silêncio.
O estrangeiro começou:
- Jurandir é moço; ainda conta os anos pelos dedos e não viveu bastante para saber o que os anciões da grande nação tocantim aprenderam nas guerras e nas florestas.
"O moço é o tapir que rompe a mata, e voa como a seta. O velho é o jabuti prudente que não se apressa.
"O tapir erra o caminho e não vê por onde passa. O jabuti observa tudo, e sempre chega primeiro.
"Jurandir é moço; mas conhece as grandes florestas; e atravessou mais rios do que as veias por onde corre o sangue valente de seu pai.
"A primeira água em que Jaçanã, sua mãe, o lavou, quando ele rasgou-lhe o seio, foi a do grande lago onde Tupã guardou as águas do dilúvio, depois que as retirou da terra.
"Ainda Jurandir não era um caçador, quando ele se banhou no pará sem fim, onde os rios despejam a sua corrente, e cujas águas quando dormem se mudam em sal.
"Duas vezes Jurandir seguiu o pai dos rios, desde a grande montanha onde nasce, até a várzea sem fim que ele enche com suas águas.
"Ele viu o grande rio combater com o mar, no tempo da pororoca. Os dois chefes tocam a inúbia antes da peleja, para chamar seus guerreiros.
"Vêm de um lado as águas do mar; são os guerreiros azuis, com penachos de araruna; vêm do outro as águas do rio; são os guerreiros vermelhos com penachos de nambu.
"Começa a batalha. Os guerreiros se enrolam, como a corrente da cachoeira, batendo no rochedo; a terra estremece com o trovão das águas.
"Mas o grande rio agarra o mar pela cintura. Arranca do chão o inimigo; carrega-o nos ombros; solta o grito de triunfo.
"Por muito tempo os Tetivas, que habitam sobre as árvores, vêem passar correndo as águas do marsão os guerreiros azuis que fogem espavoridos e vão esconder-se na sombra das florestas.
"Jurandir também viu a terra onde habitam as mulheres guerreiras, senhoras de seu corpo, que vivem embaixo das águas do grande rio.
"Só elas sabem o segredo das pedras verdes, que tornam os guerreiros cativos de seu amor, sem privá-las da liberdade.
"Por isso, todas as luas, grande número de guerreiros as visitam em sua taba; e elas guardam para os mais valentes a flor de sua beleza.
"Quando chega o tempo de vir o fruto do amor, guardam somente as filhas; e enviam aos guerreiros os filhos, donde saem os maiores chefes.
"Feliz o guerreiro que acha uma terra valente e fecunda para a flor do seu sangue. O filho será maior do que ele; e o neto maior do que o filho.
"Sua geração vai assim crescendo de tronco em tronco; e forma uma floresta de guerreiros, onde o último cedro se ergue mais frondoso e robusto, porque recebe a seiva de seus avós. "
Quando Jurandir proferiu as últimas palavras, seus olhos que tinham muitas vezes buscado Araci, repousaram nela.
A virgem tocantim compreendeu que o estrangeiro se referia a si; e não escondeu sua alegria, como não esconde sua flor a juquiri que o rio beija.
A formosa caçadora cantou. Sua voz era límpida e sonora como o gorjeio do sabiá, quando se deleita com o calor do sol.
- Feliz a terra que recebe a semente do cedro frondoso e robusto; ela se cobrirá de sombra e frescura. Os guerreiros gostarão de reunir-se aí para falar da paz e da guerra.
"Ela é como a virgem que um chefe ilustre escolheu para sua esposa, e que se povoa de uma prole numerosa. As nações a respeitam porque é a mãe de valentes guerreiros; os anciões escutam seu conselho na paz e na guerra.
"As mulheres guerreiras, senhoras de seu corpo, são como a palmeira do muriti, que rejeita o fruto antes que ele amadureça e o abandona à correnteza do rio.
"A esposa não desprende de si o filho, senão quando ele não chupa mais seu peito. Ela é como a mangabeira; nutre o fruto com seu leite, que é a flor de seu sangue.
"Não é na terra das mulheres guerreiras que o estrangeiro deve buscar a esposa; mas na taba de sua nação, onde Tupã guarda para seu valor a mais bela das virgens, aquela que tem o sorriso de mel."
O hóspede respondeu:
- Jurandir sabe onde encontrará a virgem que deseja para esposa. A luz do céu o guia, e nada resiste à força de seu braço.
Depois de responder ao canto de Araci, o estrangeiro continuou sua maranduba, que todos ouviram silenciosos.
Ele contou o que havia aprendido nas praias do mar, habitadas pela valente nação dos tupinambás, descendentes da mais antiga geração de Tupi.
Os pajés dos tupinambás lhe disseram que nas águas do pará sem fim vivia uma nação de guerreiros ferozes, filhos da grande serpente do mar.
Um dia esses guerreiros sairiam das águas para tomarem a terra às nações que a habitam; por isso os tupinambás tinham descido às praias do mar, para defendê-las contra o inimigo.
Os guerreiros do mar também tinham suas guerras entre si, como os guerreiros da terra. Então as águas pulavam mais altas do que os montes; seu estrondo era como o trovão.
Jurandir contou mais, que nas praias do mar se encontrava uma resina amarela, muito cheirosa, a qual a grande serpente criava no bucho.
Os tupinambás faziam dessa goma contas para seus colares; Jurandir mostrou a pulseira que lhe cingia o artelho, presente de um guerreiro daquela nação.
Essas contas tornavam o pé do guerreiro ágil na corrida, e protegiam o viajante contra os caiporas da floresta, que apartavam-se de seu caminho.
Muitas outras coisas referiu Jurandir; e os anciões admiravam-se de ver o juízo prudente de um abaré no corpo jovem de tão forte guerreiro.
Os mais velhos dos moacaras acreditaram que o hóspede era filho de Sumé, mandado por seu pai correr as terras que o sábio tinha visto em sua mocidade.
Calaram porém seu pensamento, para o comunicarem aos anciões quando se reunisse o carbeto da nação.
O sol já descia para as montanhas, quando terminou a festa da hospitalidade na cabana de Itaquê.
Os moacaras partiram. Itaquê voltando à sua ocupação, deixou o hóspede senhor de sua vontade, para fazer o que lhe agradasse.
Vieram os jovens pescadores da taba, com os anzóis e jequis, saber do hóspede que peixe ele preferia.
Depois deles chegaram os jovens caçadores que, antes de partir para a floresta, vinham receber os desejos do hóspede.
Por fim aproximaram-se as mulheres que já tinham rompido o fio da virgindade; mas não eram nem esposas, nem amantes de guerreiros.
Essas eram as mulheres livres, que davam seu amor e o retiravam quando queriam, mas não recebiam a proteção de um guerreiro, nem podiam jamais ser mães da prole.
Os filhos, concebidos no próprio seio, só tinham por mãe a esposa, que o guerreiro tomou por companheira de sua existência e raiz de sua geração.
O rito da hospitalidade, entre os filhos da floresta, manda que se dê ao estrangeiro amigo tudo que deleita ao guerreiro.
Por isso vinham as moças oferecer a Jurandir sua beleza, para que ele escolhesse entre elas uma companheira, que partilhasse sua rede na cabana hospedeira.
Todas se tinham enfeitado com seus mais belos ornatos, para agradar aos olhos de Jurandir; pois não havia para elas maior glória do que a de merecer o amor do estrangeiro.
Umas traziam as tranças urdidas com penas vistosas dos pássaros de sua predileção; outras haviam perfumado da essência do sassafrás os cabelos soltos, que derramavam sua fragrância ao sopro da brisa.
Chegando diante do estrangeiro, começaram uma dança amorosa para mostrar a graça do seu corpo. Aquelas que tinham a voz doce cantavam em louvor de Jurandir.
Araci fora buscar seu balaio de palha vermelha, e sentara-se no terreiro, junto à porta da cabana. Seus dedos ágeis enfiavam as sementes de jequiriti, de que fazia um ramal para seu colo gentil.
Enquanto compunha o colar, a virgem percebia que os olhos de Jurandir abandonavam os encantos das mulheres e buscavam seu rosto.
Mas ela voltava-se para a floresta; com o trinado de seus lábios chamava o crajuá, que voava no olho da palmeira. O passarinho, iludido, vinha, cuidando ouvir o canto da companheira.
Jurandir apartou as mulheres e disse:
- As moças tocantins são formosas; qualquer delas alegraria o sono do estrangeiro. Mas Jurandir não veio à cabana de Itaquê para gozar do amor de uma noite; ele velo buscar a esposa que há de acompanhá-lo até à morte, e a virgem que escolheu para mãe de seus filhos.
Quando Araci ouviu estas palavras cobriu-se de sorrisos, como o guajeru se cobre de suas flores alvas e perfumadas, com os orvalhos da manhã.
Jurandir voltou-se então para a virgem caçadora.
- Estrela do dia, Araci, conduze-me à presença de Itaquê. É tempo que ele saiba o segredo do estrangeiro.
- Os sonhos disseram a Araci, duas noites seguidas, que o jovem caçador chegaria à cabana de Itaquê; ela te esperou. Quando meus olhos te viram sentado entre os moacaras, logo conheceram que tu vinhas buscar a esposa.
O estrangeiro respondeu:
- Jurandir chegou à taba dos seus, e recebeu um nome de guerra e o grande arco de sua nação. Mas a cabana do chefe estava deserta; e sua rede não lhe guardou o sono tranqüilo do guerreiro. Ele ouviu tua voz que o chamava, virgem tocantim, e ergueu-se; tua luz o guiou, filha do sol, e o trouxe à tua presença.