Um Branco muito encolhido
Um Branco muito encolhido,
um Mulato muito ousado,
um Branco todo coitado,
um canaz todo atrevido:
o saber muito abatido,
a ignorância, e ignorante
mui ufano, e mui farfante
sem pena, ou contradição:
milagres do Brasil são.
Que um Cão revestido em Padre
por culpa da Santa Sé
seja tão ousado, que
contra um Branco ousado ladre:
e que esta ousadia quadre
ao Bispo, ao Governador,
ao Cortesão, ao Senhor,
tendo naus no Maranhão:
milagres do Brasil são.
Se a este podengo asneiro
o Pai o alvanece já,
a Mãe lhe lembre, que está
roendo em um tamoeiro:
que importa um branco cueiro,
se o cu é tão denegrido!
mas se no misto sentido
se lhe esconde a negridão:
milagres do Brasil são.
Prega o Perro frandulário,
e como a licença o cega,
cuida, que em púlpito prega,
e ladra num campanário:
vão ouvi-lo de ordinário
Tios, e Tias do Congo,
e se suando o mondongo
eles só gabos lhe dão:
milagres do Brasil são.
Que há de pregar o cachorro,
sendo uma vil criatura,
se não sabe da escritura
mais que aquela, que o pôs forro?
quem lhe dá ajuda, e socorro,
são quatro sermões antigos,
que lhe vão dando os amigos,
e se amigos tem um cão:
milagres do Brasil são.
Um cão é o timbre maior
da Ordem predicatória,
mas não acho em toda história,
que o cão fosse pregador:
se nunca falta um Senhor,
que lhe alcance esta licença
a Lourenço por Lourença,
que as Pardas tudo farão:
milagres do Brasil são.
Já em versos quer dar penada,
e porque o gênio desbrocha,
como cão a troche-mocha
mete unha e dá dentada:
o Perro não sabe nada,
e se com pouca vergonha
tudo abate, é, porque sonha,
que sabe alguma questão:
milagres do Brasil são.
Do Perro afirmam Doutores,
que fez uma apologia
ao Mestre da poesia,
outra ao sol dos Pregadores:
se da lua aos resplandores
late um cão a noite inteira
e ela seguindo a carreira
luz sem mais ostentação:
milagres do Brasil são.
Que vos direi do Mulato,
que vos não tenha já dito,
se será amanhã delito
falar dele sem recato:
não faltará um mentecapto,
que como vilão de encerro
sinta, que dêem no seu perro,
e se porta como um cão:
milagres do Brasil são.
Imaginais, que o insensato
do canzarrão fala tanto,
porque sabe tanto, ou quanto,
não, senão porque é mulato:
ter sangue de carrapato
ter estoraque de congo
cheirar-lhe a roupa a mondongo
é cifra de perfeição:
milagres do Brasil são.