Uma Campanha Alegre/I/II

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II

Maio 1871

Há em Portugal quatro partidos: o partido histórico, o regenerador, o reformista, e o constituinte. Há ainda outros, mas anónimos, conhecidos apenas de algumas famílias. Os quatro par. tidos oficiais, com jornal e porta para a rua, vivem num perpétuo antagonismo, irreconciliáveis, latindo ardentemente uns contra os outros de dentro dos seus artigos de fundo. Tem-se tentado uma pacificação, uma união. Impossível! eles só possuem de comum a lama do Chiado que todos pisam e a Arcada que a todos cobre. Quais são as irritadas divergências de princípios que os separam? — Vejamos:

O partido regenerador é constitucional, monárquico, intimamente monárquico, e lembra nos seus jornais a necessidade da economia.

O partido histórico é constitucional, imensamente monárquico, e prova irrefutavelmente a urgência da economia.

O partido constituint e é constitucional, monárquico, e dá subida atenção à economia.

O partido reformista é monárquico, é constitucional, e doidinho pela economia!

Todos quatro são católicos,

Todos quatro são centralizadores,

Todos quatro têm o mesmo afecto à ordem,

Todos quatro querem o progresso, e citam a Bélgica,

Todos quatro estimam a liberdade.

Quais são então as desinteligências? — Profundas! Assim, por exemplo, a ideia de liberdade entendem-na de diversos modos.

O partido histórico diz gravemente que é necessário respeitar as Liberdades Públicas. O partido regenerador nega, nega numa divergência resoluta, provando com abundância de argumentos que o que se deve respeitar são — as Públicas Liberdades.

A conflagração é manifesta!


Na acção governamental as dissensões são perpétuas. Assim o partido histórico propõe um imposto. Porque, não há remédio, é necessário pagar a religião, o exército, a centralização, a lista civil, a diplomacia... — Propõe um imposto.

«Caminhamos para uma ruína! — exclama o Presidente do Conselho. — O défice cresce! O País está pobre! A única maneira de nos salvarmos é o imposto que temos a honra, etc...»

Mas então o partido regenerador, que está na oposição, brame de desespero, reúne o seu centro. As faces luzem de suor, os cabelos pintados destingem-se de agonia, e cada um alarga o colarinho na atitude de um homem que vê desmoronar-se a Pátria!

— Como assim! — exclamam todos — mais impostos!?

E então contra o imposto escrevem-se artigos, elaboram-se discursos, tramam-se votações! Por toda a Lisboa rodam carruagens de aluguel, levando, a 300 réis por corrida, inimigos do imposto! Prepara-se o cheque ao ministério histórico... Zás! cai o ministério histórico!

E ao outro dia, o partido regenerador, no poder, triunfante, ocupa as cadeiras de

S. Bento. Esta mudança alterou tudo: os fundos desceram mais, as transacções diminuíram mais, a opinião descreu mais, a moralidade pública abateu mais — mas finalmente caiu aquele ministério desorganizador que concebera o imposto, e está tudo confiado, esperando.

Abre a sessão parlamentar. O novo ministério regenerador vai falar.

Os senhores taquígrafos aparam as suas penas velozes. O telegrapho está vibrante de impaciencia, para communicar aos governadores civis e aos coroneis a regeneração da patria. Os senhores correios de secretaria teem os seus corceis sellados! Porque emfim o ministerio regenerador vae dizer o seu programma, e todo o mundo se assôa com alegria e esperança!

– Tem a palavra o sr, presidente do conselho. — O novo presidente: «Um ministerio defasto apoiado, apoiado! exclama a maioria historica da vespera) cahiu perante a reprovação do paiz inteiaro. Porque, senhor presidente, o paiz está esorgaanisado, é necessario restaurar o crédito. E a unica amaneira de dos salvarmos...» Murmurios. Vozes: Ouçam! ouçam!

«...É por isso que eu peço que entre já em discussão... (attenção ávida que faz palpitar debaixo dos fraques o coração da maioria...) que entre em discussão — o imposto que temos a honra, etc. (apoiado! apoiado!)»

E n’essa noite reune-se o centro historico, hontem no ministerio, hoje na opposição. Todos estão lugubres.

«Meus senhores, diz o presidente, com voz acava. – O paiz está perdido! O ministerio regene«rador ainda hontem subiu ao poder, e doze horas adepois já entra pelo caminho da anarchia e da oppressão propondo um imposto! Empreguemos todas as nossas forças em poupar o paiz a esta ultima desgraça! — Guerra ao imposto!»...

Não, não! com divergencias tão profundas é impossivel a conciliação dos partidos!